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Scot Consultoria

Febre Aftosa: vacinação, dificuldades sanitárias, importância socioeconômica e expectativas


Terça-feira, 2 de maio de 2017 - 09h20

Foto: acrimat.org.br


Confira a entrevista exclusiva de Francisco de Sales Manzi, médico veterinário e diretor-técnico da Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat) para Scot Consultoria.

Scot Consultoria: Francisco, o senhor poderia comentar conosco um pouco da sua história e do seu envolvimento com a pecuária?

Francisco de Sales Manzi: Eu sou médico veterinário formado há 27 anos. Sou pecuarista e tenho uma propriedade de engorda em Cuiabá.

Trabalhei mais de 20 anos na iniciativa privada com assistência, principalmente para bovinos de corte e há sete anos faço parte da diretoria da Acrimat, ano passado comecei como superintendente e atualmente sou diretor-técnico executivo. Todos os assuntos relacionados com sanidade e reprodução que envolvam diretamente a atividade pecuária fazem parte da minha alçada na Acrimat.

Scot Consultoria: Conte um pouco pra gente sobre a Acrimat e a sua relação com essa instituição.

Francisco de Sales Manzi: A Acrimat foi fundada em setembro de 1970, ou seja, é uma entidade que tem 46 anos. Nos primeiros 37 anos a Acrimat ficou basicamente restrita a baixada cuiabana e a partir de 2007, com o advento de apoio a bovinocultura de corte, a Acrimat se estadualizou e hoje se tornou uma entidade representativa da pecuária de corte do estado.

Hoje temos 16 representantes regionais espalhados pelas principais regiões do Mato Grosso. Eles são líderes regionais identificados por nós, são ex-presidentes de sindicatos, líderes de entidades de classe, pecuaristas fortes da região, pessoas conectadas com o associativismo, pessoas com esses perfis são escolhidas para fazer parte da nossa chapa.

A Acrimat tem hoje, na diretoria executiva, um presidente, dois vice-presidentes, dois secretários, dois diretores financeiros e um de relações institucionais, essa diretoria executiva não é remunerada. Além disso, temos 16 representantes regionais e depois temos mais seis, sendo três titulares e três suplementes pertencentes ao conselho fiscal. A chapa da Acrimat é formada por 30 membros.

Scot Consultoria: Quais são os projetos atuais da Acrimat e como eles contribuem para o desenvolvimento da pecuária no Mato Grosso?

Francisco de Sales Manzi: A Acrimat tem diversas ações. Temos ações regionais, estaduais, nacionais e internacionais. A Acrimat hoje é a entidade que melhor representa a pecuária de corte brasileira. Dentro das ações regionais temos projetos como o Acrimat em Ação, que está há 7 anos funcionando. Esse projeto leva informação e traz as demandas dos 31 municípios em 12.000Km do Mato Grosso. Levamos palestras para os produtores e até agora mais de 23.000 pessoas já participaram.

Participamos de diversos assentos, como na cadeira de pecuária de corte da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), do conselho executivo do Instituto de Defesa Agropecuária do Estado de Mato Grosso (INDEA), da câmera de política agrícola e crédito rural e todos os projetos e financiamentos passam por essa cadeia. Participamos também do Instituto Pensar Agro (IPA) em Brasília e do Fórum do Mato Grosso também.

A Acrimat participa do projeto internacional de aliança da carne, que é composto pelos Estados Unidos, Canadá, Austrália, México, Nova Zelândia, Brasil e Paraguai, são sete países e cada um deles é representado por uma associação nacional, como a Acrimat, apesar de ser do Mato Grosso, representa muito bem a pecuária do Brasil, somos nós que fazemos parte dessa aliança (IBA – Internacional Beef Aliance).

A nível estadual estamos servindo de modelo, como no Pará que nesse mês de abril criou a AcriPará, uma associação de criadores que se espelhou no mesmo estatuto e mesmo modelo que a nossa.

Scot Consultoria: Qual a importância da vacinação de todo rebanho contra Febre Aftosa? O senhor poderia comentar um pouco sobre essa enfermidade e sua importância socioeconômica?

Francisco de Sales Manzi: A luta contra a Febre Aftosa é uma enfermidade árdua que o mundo vem tentando combater. Os Estados Unidos conseguiram erradicar a doença desde 1929 e o Canadá na década de 50. O continente sul americano há 44 anos montou o Conselho sul americano na luta contra Febre Aftosa.

Ela é uma doença infectocontagiosa causada por um vírus que ataca principalmente as mucosas e também os cascos de todos os animais biangulados. Essa doença tem um impacto econômico muito grande porque quando você tem um foco a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) descredencia e informa todos os outros países que interrompem imediatamente a exportação.

Hoje 20,0% da nossa carne é exportada para mais de 180 países, se voltarmos a ter aftosa, imediatamente todos esses países suspenderão a importação de carne brasileira. O vírus não é transmitido para o homem, mas essa é uma doença de impactos econômicos imensuráveis, são prejuízos de bilhões.

Desde 2006 não temos casos de Febre Aftosa no Brasil, o pecuarista vem fazendo muito bem o trabalho dele.

Scot Consultoria: Atualmente, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), apenas o Amazonas e Amapá não possuem o status de livre de Febre Aftosa com vacinação. O que o senhor acha que falta para o Brasil obter essa certificação?

Francisco de Sales Manzi: Esses dois estados mais uma pequena faixa do Pará não são reconhecidos como livre de Febre Aftosa, essas áreas são consideradas de riscos desconhecidos, isso faz com que 72,0% do Brasil seja reconhecido como livre com vacinação, mas isso correspondente a área territorial, falando em número de cabeças, mais de 92,0% do rebanho já está em áreas livres com vacinação, porque o rebanho do Amazonas, Amapá são rebanhos muito pequenos.

Acreditamos que em 2018 o Brasil já será totalmente reconhecido como livre de Febre Aftosa com vacinação.

Scot Consultoria: Pela primeira vez no Mato Grosso a vacinação contra Febre Aftosa será realizada em todo rebanho no mês de maio ao invés de novembro. Ela é válida para o estado todo? Qual foi o motivo dessa mudança?

Francisco de Sales Manzi: Está liberado não fazer essa inversão em algumas propriedades já identificadas no Pantanal, porque nessa época está muito cheio, é o final das águas, então tem fazendas que estão muito “alagadas” e não conseguem levar o animal até o curral. Essas propriedades vacinam uma vez ao ano e vacinam uma segunda vez quando o animal vai sair da propriedade.

Até o final do ano passado o rebanho de mamando a caducando era vacinado em novembro, e de 0-24 meses em maio, essa inversão já era uma demanda muito antiga, eu como veterinário via isso no campo e percebia a dificuldade que era, porque a vacinação em novembro coincidia com a maioria das chuvas e fazer vacinação em vacas em reprodução atrapalha a estação de monta, que é uma tática cada vez mais difundida, no mês de novembro faz-se muita Inseminação Artificial, que coincide com os partos e tínhamos que trazer esses animais no período chuvoso, vacas parindo, vacas mojando no mês de novembro.

Nós conseguimos reverter agora esse calendário para que o pecuarista consiga vacinar os animais de mamando a caducando em maio. Porque nesse mês o curral está mais seco, as vacas não estão mojando ainda, não estão próximas do parto... Além disso, agora é uma época comum de fazer o diagnóstico de gestação e o encerramento da estação de monta então o pecuarista já aproveita esse manejo para vacinar os animais.

E a outra oportunidade que o INDEA está dando é que o pecuarista faça a correção do estoque. Caso haja alguma divergência, por exemplo, se houver algum número diferente do rebanho declarado com o número do rebanho real, é possível fazer a adequação e a correção desses números.

Scot Consultoria: O senhor acha que essa mudança causará algum prejuízo quanto aos resultados da cobertura da vacina?

Francisco de Sales Manzi: Nós temos feito uma divulgação bastante maciça dessa inversão do calendário, as lojas veterinárias têm orientado aos produtores, os canais de comunicação e as mídias escritas, faladas, televisionadas, ajudaram também na divulgação.

Nós temos uma campanha do fundo emergencial de sanidade animal e do fundo de apoio a bovinocultura de corte e a própria federação da agricultura tem divulgado através de uma propaganda que fizeram na televisão. O Acrimat em Ação tem divulgado para todos os sindicatos, o INDEA também. Dessa maneira acreditamos que conseguiremos uma cobertura de mais 99,0% como sempre tivemos na vacinação.

Scot Consultoria: Qual a importância para a economia e quais são as expectativas após essa mudança?

Francisco de Sales Manzi: Esperamos que o produtor continue fazendo a parte dele para que um dia possamos evoluir e parar de vacinar. As principais atribuições do produtor são adquirir a vacina em lojas credenciadas pelo INDEA, fazer a conservação adequada dessa vacina na temperatura de 2º a 8ºC, fazer a aplicação na dose correta que é de 5ml no local correto, em todos animais do rebanho e até o dia 12 de junho fazer a comunicação ao INDEA já acertando o seu estoque.

Aproveitando também para fazer a vacinação contra brucelose nas fêmeas de 2 a 8 meses de idade, que é uma vacina em dose única e que precisa também ser bem feita preferencialmente sobre supervisão do médico veterinário.

Scot Consultoria: Há mais de 21 anos o Mato Grosso é considerado livre de Febre Aftosa com vacinação e recentemente foi anunciado pelo MAPA um plano para retirada da vacinação em todo país e até 2023 a conquista do status de zona livre da aftosa sem vacinação. O senhor acha que isso é possível?

Francisco de Sales Manzi: O seminário internacional da Comissão Sul-Americana para a Luta Contra a Febre Aftosa (Cosalfa) discutiu na última reunião no início desse mês de abril a possibilidade de o Brasil parar de vacinar. Aliás, todo o continente Sul Americano.

Para que isso aconteça, e provavelmente pararemos em 2021, é preciso que o produtor tenha consciência e continue fazendo seu trabalho. Temos, teoricamente, mais nove vacinas pela frente. E essa vacinação quem faz é o produtor e depois ele declara para os órgãos de defesa, então é fundamental que ele continue, aplicando e conservando, ou seja, que continue fazendo a vacinação corretamente.

Os técnicos da agricultura e os pesquisadores já perceberam que não temos mais o vírus circulante no país. O Mato Grosso está há 21 anos sem nenhum caso de Aftosa. É feita a sorologia e os resultados demonstram que não há nenhuma infecção. Não vacinamos outras espécies susceptíveis como os suínos e ovinos e mesmo assim não se tem a doença.

A vantagem de se parar de vacinar, primeiro tem-se a economia dos gastos com vacinas que poderiam ser revertidos para outro investimento, o problema dos abcessos porque a vacina usa um veículo oleoso que causa reação no local da aplicação e consequentes perdas de qualidade na carcaça.  As perdas nos frigoríficos variam de 0,9kg a 15Kg por vacinas mal aplicadas e outros danos não só causados pela vacina que geram prejuízos incalculáveis. Quando nós pararmos de vacinar só de economia de vacina teremos em torno de R$350,00 milhões por ano.

Além disso, conquistaremos mercados que hoje não importam nossa carne. Alguns mercados como o do Japão, por exemplo, não importam nossa carne bovina nem suína porque vacinamos os bovinos.

Scot Consultoria: Se esse status for alcançado quais as possíveis aberturas de mercado para exportação da carne brasileira?

Francisco de Sales Manzi: Acreditamos que muitas dessas barreiras são mais comercias do que propriamente sanitárias, essas barreiras ditas sanitárias são na verdade comerciais disfarçadas. E quando tivermos a não vacinação, teremos a prova concreta que não temos a doença.

Muitos desses países seguiriam o exemplo do Japão e começariam a importar nossa carne, como por exemplo, a Coréia que segue o mesmo modelo. O Japão tem um interesse muito grande na carne suína brasileira, atualmente eles só compram do estado de Santa Catarina porque é livre da Febre Aftosa sem vacinação, mas Santa Catarina não consegue atender a demanda do mercado japonês. Portanto, se pararmos de vacinar os bovinos teremos também abertura de mercado para exportação de carne suína.

Acreditamos juntamente com a COSALFA, que a América do Sul inteira vai parar de vacinar na próxima década e com isso seremos provavelmente o primeiro continente livre de aftosa sem vacinação.

É um desafio muito grande porque teremos que aumentar a vigilância e aumentar o controle. Seria como a instalação de uma ISO numa empresa, você mostra para o consumidor, para o cliente que você tem muito mais controle do seu negócio. É um processo dispendioso que requer um controle técnico bem efetivo. Temos que ter em mente que a vacinação não impede que tenhamos a doença, ela impede que a doença se propague com velocidade. Quando nosso país for livre sem vacinação e por acaso surgir um foco, precisaremos agir rapidamente e eliminar esse foco para que ele não se propague em maiores proporções.

Se o pecuarista cumprir sua parte e se a vigilância sanitária fizer um trabalho criterioso é possível sim que o país conquiste o status de livre de febre aftosa sem vacinação.

A meta do Ministério da Agricultura, que inclusive apresentou o plano de retirada da vacinação contra Febre Aftosa como “a ponte foi implodida”, ou seja, não tem mais a possibilidade de não parar de vacinar. Até 2023 o Brasil deve conquistar do status de zona livre da aftosa sem vacinação.

De acordo com Plano Estratégico o Mapa dividiu o país em cinco blocos. Os primeiros estados a extinguirem a vacinação serão Acre e Rondônia em 2019. Em 2020 está prevista a retirada da vacina no Amazonas, Pará, Amapá e os estados do Nordeste, com exceção do Sergipe e da Bahia. Em 2021 encerram a imunização nos estados do Centro Oeste e Sudeste, na Bahia, em Sergipe e no Paraná. O bloco 5, composto por Rio Grande do Sul e Santa Catarina, também extingue em 2021.Essa retirada ainda está sendo discutida com todos os órgãos de defesa do setor produtivo, mas é certo que iremos evoluir para suspenção da vacina.

Por: Francisco de Sales Manzi.


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