José Augusto de Castro - presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB)
Scot Consultoria: José, em números, quanto representa a exportação de carne para os Estados Unidos?
José Augusto de Castro: Temos que salientar que até 2016 não exportávamos nada, o mercado americano era fechado para nós. Mas até o mês de maio de 2017 as exportações de carnes brasileiras para os Estados Unidos (EUA) representaram 2,78% e faturamento de US$48,25 milhões. É uma parcela pequena porque começou agora, até o ano passado era 0,0%, então podemos perceber que teve inclusive um crescimento relativamente rápido.
Scot Consultoria: Como o bloqueio dos Estados Unidos à carne fresca pode impactar o mercado brasileiro?
José Augusto de Castro: Se não tivéssemos sofrido o embargo, até o final do ano teríamos ganhado em torno US$120,00 milhões com a exportação de carne para os EUA, e mais ainda com a expectativa de crescimento, porque hoje são apenas 15 empresas autorizadas para exportar para lá.
É importante destacar que atualmente, o nosso principal mercado de exportação de carne bovina fresca é a China. Até maio, a China importou um equivalente de US$333,00 milhões e Hong Kong US$316,00 milhões. Ou seja, a China sozinha tem uma participação muito grande no nosso mercado. Os EUA, como está começando agora, tem uma participação muito pequena, porém o seu potencial de crescimento era muito grande. Essa questão do embargo foi um problema que influenciou o presente e influenciará o futuro do mercado.
Apesar de atualmente os EUA terem uma pequena participação na quantidade de carnes exportadas, o impacto no mercado é muito maior. Uma coisa seria a China suspender a importação de carne do Brasil devido a um problema sanitário, outra coisa são os EUA, porque muitos países tem como referência o mercado americano. É uma pena, depois de tantos anos de tentativas de abertura do mercado, conseguimos esse feito ano passado e agora temos que enfrentar um problema como esse.
Scot Consultoria: Como os Estados Unidos são vistos como um país que têm um rígido controle sanitário, servindo de vitrine para outros países, é possível que eles se espelhem na decisão americana e eventualmente também suspendam as importações do Brasil?
José Augusto de Castro: Exatamente, além do risco de alguns países suspenderem a exportação, também existe a possibilidade daqueles que não suspenderam as exportações solicitarem redução de preços, porque, teoricamente, a decisão do EUA pode passar a imagem de que o produto do Brasil não tem qualidade, e isso não é a realidade! Mas, de qualquer jeito essa é a imagem que teremos lá fora e por essa razão as empresas podem solicitar redução de preços.
O cenário só não é pior para o Brasil porque existem apenas três fornecedores mundiais de carne bovina: EUA, Brasil e Austrália e nenhum dos três tem condição de suprir totalmente a demanda eventualmente não atendida por outro país.
Por essa razão que o Brasil vai continuar exportando mesmo que, eventualmente, sofra alguma penalidade em termos de preços ou cancelamentos. Isoladamente, os EUA ou a Austrália não tem condições de substituir o Brasil como fornecedor mundial.
Além disso, os preços dos produtos brasileiros são mais baratos do que os produtos americanos ou australianos, sendo assim, eles forneceriam o produto em um preço muito acima do oferecido pelo produto brasileiro e assim teriam dificuldade para realizar a venda.
O produto brasileiro tem mais competitividade, mas, infelizmente, não tem tradição. Em qualquer lugar do mundo você encontra “Carne Argentina”, mas não encontra “Carne Brasileira” devido aos nossos problemas internos que afetam negativamente a imagem da nossa carne. E nossa produção é muito mais “bonita” do que desses dois países, nossos animais ficam no pasto, tem acesso à terra, ao sol, a água, melhorar a imagem da carne só depende de nós.
Scot Consultoria: O senhor acredita que esse embargo foi realmente devido a um problema sanitário ou foi uma questão comercial? Você acredita que os produtores americanos estão pressionando o governo para o bloqueio da nossa carne?
José Augusto de Castro: Foram as duas coisas, foi um problema sanitário sim, embora que anteriormente nenhum país nunca levantou qualquer problema sanitário por conta dessa vacinação, mas sabemos que os produtores norte americanos não querem concorrer com um produto que tem um preço mais atrativo, como o brasileiro, e fizeram então uma espécie de componente que traz uma “proteção não tarifária” para o produto deles.
O que dificulta a abertura do mercado europeu para o Brasil é a mesma coisa. Eles querem continuar vendendo a carne deles, que é muito mais cara que a brasileira. Seguramente é a mesma coisa.
O setor agropecuário nos EUA tem uma força política suficiente para dificultar a entrada de um país grande como o Brasil. Com certeza, por trás desse embargo, existe um componente de medo da concorrência.
Scot Consultoria: Recentemente o governo chinês anunciou que abrirá as portas para o mercado de carnes americano. Você acredita que isso possa afetar negativamente em que escala o mercado do Brasil?
José Augusto de Castro: É uma péssima notícia. Essa notícia completou a semana dos “desastres”. A china hoje é o nosso principal mercado de destino da carne bovina. Quando ela decide abrir um mercado que antes era 100% fechado para os EUA, naturalmente ela passa a comprar alguma quantidade desse país, independente do preço. Porque essa abertura de mercado tem uma finalidade política por trás do aspecto econômico.
O que a China quer é reduzir o superávit comercial dela com os EUA para que o país evite tomar alguma medida protecionista contra os produtos chineses e como ela tem que comprar carne de alguém, ela vai comprar dos EUA, isso é a política de boa vizinhança, ela compra dos EUA ainda que pague um pouco mais caro, mas como para China o problema não é preço e sim mercado, essa é uma grande jogada, e agora com certeza o Brasil será impactado ainda em 2017.
Scot Consultoria: No começo do ano a expectativa era que as exportações aumentassem em relação ao ano passado. Entretanto, até o momento somente em janeiro o volume foi maior do que em 2016. Qual a expectativa para o segundo semestre?
José Augusto de Castro: Infelizmente as expectativas não podem ser melhores do que foram até agora. Tivemos a Operação Carne Fraca, agora o embargo dos EUA e a abertura de mercado da China para os americanos. São três fatores que prejudicam o mercado da carne brasileira.
Em um primeiro momento os impactos iniciais da Operação Carne Fraca foram a interrupção das exportações e posteriormente pouco a pouco as exportações foram retomando o rumo. Hoje verificamos que as exportações caíram 10,67% de janeiro a maio em quantidade exportada, embora o preço arrecadado tenha sido maior, ou seja, tivemos queda na quantidade, mas tivemos aumento de preço. Isto significa que poderíamos ter exportado mais em termos de quantidade e até eventualmente termos preços mais elevados.
Então fomos afetados em três etapas: Carne Fraca, bloqueio dos EUA e a abertura de mercado da China para os norte americanos, esperamos que não surja mais nada.
Scot Consultoria: Ainda existem reflexos da Operação Carne Fraca na exportação brasileira?
José Augusto de Castro: Pouca coisa. Ainda alguns pequenos países não retomaram as exportações do Brasil, mas são países com pouco peso, então tem algum reflexo, mas é um reflexo pequeno, talvez em curto prazo poderíamos recuperar esses mercados, mas agora essa nova questão do embargo não vai ajudar em nada, muito pelo contrário...
Scot Consultoria: Quais medidas devemos tomar para reverter esse quadro desfavorável, José?
José Augusto de Castro: Primeiramente, corrigir quaisquer falhas que dizem respeito ao aspecto sanitário. Porque hoje em dia o mundo compra qualidade. Embora tenha dito que esses abcessos não tragam nenhum tipo de reflexo para as pessoas, sabemos que a imagem de um país não pode ser manchada, principalmente quando o assunto trata de saúde humana.
Esse problema não deveria ter acontecido e as primeiras medidas a serem tomadas tem que ser internas, afinal de conta não são muitos, são somente cinco frigoríficos. Teoricamente é um problema localizado e facilmente de ser corrigido.
E procurar fazer divulgação no mercado internacional do produto brasileiro. Não adianta, depois de termos tomado às medidas necessárias, ficarmos “batendo nessa tecla”, porque isso só mostra que tínhamos um problema e não queremos passar a imagem de um passado com problemas, queremos passar a imagem que a carne brasileira é de qualidade.
Temos que fazer mais eventos no exterior que promovam a carne brasileira e que as pessoas responsáveis pela cadeia da carne e personalidades influentes do Brasil, como os ministros, comam nossa carne, essas táticas aumentam muito a divulgação da carne brasileira. A saída agora é o marketing. Já que o marketing negativo já foi feito cabe a nós fazer o marketing positivo da nossa carne.
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