Janaina da Silva Braga é médica veterinária formada pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e doutora em Zootecnia pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Atualmente é pós-doutoranda no Grupo de Estudo em Etologia e Ecologia Animal (Grupo ETCO) da UNESP de Jaboticabal-SP e, consultora associada da BEA Consultoria e Treinamento.
Scot Consultoria: Janaína, quais são as situações estressantes mais comuns que os bovinos de corte são submetidos atualmente e quais são as maneiras de minimizá-las?
Janaina da Silva Braga: Bom, essa pergunta me faz pensar em muitas situações estressantes que são vivenciadas pelos bovinos ao longo de suas vidas e algumas começam muito cedo, logo após o nascimento!
Quando pensamos nessas situações estressantes, tendenciosamente focamos nas ações nos currais de manejo, pois muitas vezes é o único momento de contato direto com os bovinos. Ainda observo bovinos sendo manejados de maneira brutal e agressiva, colocando todo o sistema (animais, colaboradores e ambiente) em risco. Essa realidade reforça a necessidade de continuar considerando o manejo de bovinos no curral como um ponto crítico dentro dos diferentes sistemas produtivos.
Várias ações de manejo são intrinsecamente estressantes e dolorosas, como por exemplo, a castração sem uso de anestésicos e analgésicos e a marcação a fogo. Mas quando falamos em situações estressantes vivenciadas pelos bovinos precisamos ir além dos manejos nos currais. Vamos pensar em uma questão simples: qual a porcentagem de tempo da vida de um bovino que ele gastará dentro de um curral de manejo? Essa pergunta não quer dizer que o que acontece no curral não é importante, claro que é muito importante, mas não é tudo!
É notório que a produção de bovinos no Brasil é muito diversa, com problemas básicos ainda não superados, tanto em condições extensivas quanto intensivas. Em situações extensivas, apesar de não terem restrição de espaço e, portanto, terem plenas condições para se comportar naturalmente como um bovino (indicador positivo de bem-estar animal) muitas vezes eles não têm acesso a recursos básicos como sombra, alimento e água, em quantidade e qualidade satisfatória. No período da seca, essa situação é ainda mais comum em diversas regiões do país e, podemos observar bovinos passando ou morrendo de fome ou recebendo dietas pobres em nutrientes. Nessa situação a adoção dos regimes de confinamento é uma estratégia para resolver parte desse problema.
O confinamento é percebido como uma drástica mudança pelos bovinos, e durante a fase inicial do confinamento é normal os animais apresentarem alterações comportamentais indicativas de dificuldades de adaptação ao ambiente, que pode ser caracterizado como estressante e desafiador. Isto ocorre porque há uma série de mudanças simultâneas, que alteram a rotina social, alimentar e de descanso dos animais, além da redução do espaço e maior contato com os humanos.
Com certeza seria um erro generalizar essas situações estressantes, pois existem produtores que trabalham muito bem com sistemas extensivos e, ao mesmo tempo, produtores que não realizam um bom trabalho em sistemas intensivos, como no confinamento, por exemplo, resultando em situações muito desafiadoras para os animais.
Em minha opinião, a principal maneira de minimizar as situações estressantes vivenciadas pelos bovinos começa quando todos os colaboradores que trabalham direta ou indiretamente com os animais entendem o comportamento natural e a biologia dos bovinos bem como suas necessidades físicas e psíquicas básicas. Uma maneira eficiente de obter esse conhecimento é por meio de treinamentos específicos sobre boas práticas de manejo com reciclagem periódica da equipe de colaboradores.
Scot Consultoria: Quais as estratégias que podem ser implementadas para afetar positivamente a capacidade dos animais se adaptarem ao confinamento?
Janaina da Silva Braga: Nos últimos três anos, eu venho tendo a oportunidade de trabalhar juntamente com o Professor Mateus Paranhos da Costa (Grupo ETCO, UNESP, Jaboticabal) e a Professora Fernanda Macitelli (Grupo ETCO, UFMT, Rondonópolis) em projetos de pesquisa (financiados pelo CNPq e apoiados por confinadores do estado de Mato Grosso) com o objetivo de avaliar o efeito de diferentes estratégias de manejo na adaptação dos bovinos ao confinamento.
Há quem acredite que no confinamento o animal deve se adaptar somente ao cocho (concentrado/volumoso), quando na verdade ele precisa se adaptar ao ambiente como um todo onde existem muitos outros desafios e que são comumente impostos aos animais como a restrição de espaço, a exposição a um novo grupo social e a grupos com muitos indivíduos, a presença de poeira ou lama, a exposição à radiação solar direta (sem acesso a sombra), dentre outros.
De maneira geral, eu considero muito difícil desenvolver um protocolo de manejo que possa ser aplicado como padrão a todos os confinamentos; entretanto, é possível oferecer algumas recomendações que facilitam a adaptação dos animais a este novo ambiente.
Os resultados das nossas pesquisas, embora ainda preliminares, sugerem que o aumento do espaço disponível por animal, a familiarização prévia ao alimento e ao grupo social, o alojamento em grupos menores bem como o temperamento mais calmo dos animais facilitam a adaptação ao confinamento, com aumento do ganho de peso médio diário bem como a redução da porcentagem de animais que não ganham o peso médio mínimo diário necessário para pagar sua diária no confinamento.
Ainda, nesse exato momento estamos conduzindo, no estado de Mato Grosso, o último experimento dessa bateria inicial, avaliando os efeitos da disponibilidade de sombra artificial na capacidade de adaptação ao confinamento. Devemos ter sempre em mente que quando confinamos um bovino, alteramos drasticamente seu ambiente natural. Ainda, é preciso estar atento e monitorar as condições sistematicamente! Como iremos saber se os animais estão ou não estão se adaptando ao ambiente que estamos oferecendo a eles? O ganho de peso pode ser um indicador sentinela na capacidade de adaptação ao confinamento, mas ele não é o único.
Observar indicadores comportamentais e de saúde, por exemplo, pode nos ajudar nessa dinâmica. Por fim, nossos resultados de pesquisa nos levam a reflexão de que devemos tirar o foco da média do grupo ou do rebanho e começar a considerar (apesar de ser um desafio) a situação de cada animal dentro do sistema de produção. Afinal de contas, cada bovino, confinado ou não, é uma unidade de produção e o seu estado de bem-estar tem relação direta com a sua resposta produtiva.
Scot Consultoria: Janaína, seus estudos apresentam uma relação entre a redução do espaço do confinamento e temperamento com efeito no desempenho dos animais confinados, você poderia comentar um pouco mais sobre isso conosco?
Janaina da Silva Braga: Bom esse foi o tema da minha tese de doutorado intitulada “O temperamento de bovinos confinados em diferentes disponibilidades de espaço e suas relações com o desempenho e a qualidade da carcaça e da carne”. A experiência da nossa equipe de pesquisa (Grupo ETCO, UNESP Jaboticabal e UFMT Rondonópolis) em confinamentos comerciais sugere que uma proporção expressiva dos bovinos é incapaz de adaptar-se ao ambiente de confinamento, apresentando reduzido ganho de peso e maior ocorrência de doenças, por exemplo, sendo que não apresentam os mesmos problemas quando mantidos em pastagens.
Até o presente momento pouca atenção tem sido destinada a esta parcela de animais que enfrentam sérias dificuldades ou que são incapazes de adaptar-se ao sistema, o que obviamente tem implicações econômicas diretas a esse sistema de produção.
A pergunta que nos motivou para o desenvolvimento dessa tese foi: Será que o temperamento do animal pode ser um dos fatores que contribui na dinâmica de adaptação ao confinamento? As variações na percepção e nas respostas dos bovinos às situações desafiadoras caracterizam as diferenças individuais na susceptibilidade ao estresse e uma das formas de analisar essas diferenças individuais é pela avaliação do temperamento.
Os resultados apresentados na tese indicam que bovinos que permaneceram ou se tornaram calmos ao longo do tempo de confinamento apresentaram desempenho superior e melhor qualidade das carcaças que aqueles que eram mais reativos, independentemente da composição genética e do espaço disponível nas baias de confinamento (6,12 ou 24 m² por animal).
Adicionalmente, bovinos reativos apresentaram glândulas adrenais maiores e mais pesadas e que, quando mantidos em reduzidos espaços disponíveis, exibiram aumento da área cortical, sugerindo um possível estado de estresse crônico. De maneira clara, nós encontramos que reduzido espaço disponível no confinamento resultou em mais efeitos deletérios no bem-estar de bovinos reativos quando comparado com os calmos. E ainda, animais que possuíam glândulas adrenais com maior área medular, maior perímetro e peso, foram mais susceptíveis em apresentar hematomas graves nas carcaças. Estamos dando seguimento a essa área do conhecimento com o desenvolvimento de mais pesquisas que busquem avançar no conhecimento dos custos biológicos e econômicos advindos de manter bovinos reativos em ambientes desafiadores.
Scot Consultoria: Existe uma estimativa de quantos quilos de carne são “perdidas” em decorrência do transporte bovino inadequado? A maioria das perdas são por ocasionadas por presença de hematomas nas carcaças ou pelos valores irregulares de pH da carne que alteram as propriedades organolépticas?
Janaina da Silva Braga: Bom, essa estimativa é muito variável, qualquer valor (em quilos) que eu diga pode estar sub ou superestimado, pois existem grandes variações dentro da categoria “transporte inadequado”. Essa grande variação pode ser traduzida por diferentes combinações de fatores, como por exemplo, duração da viagem, condição da estrada, estado de conservação/manutenção do veículo, habilidade e competência dos condutores, densidade (número de animais por metro linear), métodos de condução dos animais (agressões diretas e uso excessivo de choques elétricos, por exemplo) durante embarque e desembarque, dentre outros.
Todos esses fatores são comprovadamente capazes de afetar, em diferentes graus, a ocorrência de hematomas nas carcaças e de altos valores de pH final da carne, por exemplo. Ainda, e não menos importante, a condição (física e psicológica) na qual o animal é embarcado é de extrema importância. Animais feridos, machucados, cansados (muitas vezes exaustos), conseqüências de maus manejos, não deveriam ser embarcados.
Em condições de transporte muito desfavoráveis, a preocupação vai além da quantidade de carne (em kg) perdida por hematomas ou da presença de altos valores de pH final da carne. Muitas vezes, os animais chegam mortos ou severamente machucados ao frigorífico com necessidade de abate de emergência e descarte da carcaça devido à presença de hematomas generalizados.
Cada bovino que chega ao frigorífico morto ou extremamente machucado é nitidamente um grande prejuízo econômico. Em situações menos críticas, me parece viável dizer que a presença de hematomas nas carcaças e altos valores de pH da carne (devido ao consumo excessivo de glicogênio muscular) respondem pela maioria das perdas, pelo menos as perdas mais diretas.
Nossa equipe de pesquisa tem participado de projetos em parcerias com empresas frigoríficas que estão preocupadas com a qualidade do transporte dos animais para abate. Essa iniciativa é um grande indicativo de que o setor está preocupado e ciente de que o transporte nas condições brasileiras ainda apresenta muitos pontos críticos que comprometem o bem-estar dos bovinos e a qualidade do produto final.
Scot Consultoria: Quais são os principais erros no manejo pré-abate cometidos pelos produtores?
Vamos partir do princípio de que, transferir animais das fazendas para os frigoríficos por si só é um manejo estressante. O que nós devemos ter em mente é que nossa obrigação é minimizar, ao máximo, os desafios impostos aos animais e aos colaboradores durante o manejo pré-abate.
Vale à pena lembrar que o manejo pré-abate de bovinos envolve as etapas de embarque na fazenda, da viagem propriamente dita, do desembarque no frigorífico, do manejo de acomodação nos currais de descanso e do manejo de condução das baias de descanso até o boxe de atordoamento.
O que quero chamar a atenção aqui é de que todos os elos da cadeia, produtores, transportadores e frigoríficos, são responsáveis por essa etapa final da produção de bovinos. Quando um dos elos trabalha sistematicamente de maneira insatisfatória, ocorre redução da eficiência da cadeia como um todo, e nesse caso o prejuízo não é só econômico e do ponto de vista de bem-estar animal, ele também inclui o comprometimento da imagem da cadeia como um todo.
De maneira direta o produtor pode trabalhar da porteira da fazenda para dentro e de maneira indireta por meio de monitoramento das condições do que acontece da porteira para fora da fazenda.
De maneira simplista, considero como manejo insatisfatório aquele que envolve brutalidade e força física, uma vez que a eficiência do manejo tem uma relação direta com a calma e a gentileza. Manejos insatisfatórios estão diretamente relacionados com a depreciação da carcaça e da carne (ocorrência de hematomas e altos valores de pH), riscos de ferimentos e acidentes com animais e colaboradores bem como pressão física nas instalações.
Considero um erro, ter uma equipe de colaboradores não treinada para executar os diferentes tipos de manejo, não somente durante o manejo pré-abate. Tenho visto vários exemplos de sucesso de produtores que investem em treinamento de boas práticas de manejo. Em instalações deficientes, as deficiências podem ser amenizadas pela presença de um bom manejo feito por colaboradores treinados e experientes já o contrário não é verdadeiro, boas instalações geralmente não amenizam as deficiências de um mau manejo. Ainda, as instalações, os equipamentos e as orientações bem como o planejamento prévio para realizações de processos são importantes, mas o treinamento é uma peça fundamental.
Na grande maioria dos casos, os produtores podem se beneficiar de soluções simples e de baixo custo que são eficazes para resolver os problemas de manejo de animais.
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