Dando continuidade à parte 1 da entrevista com o economista da USP, Haroldo Torres, confira as discussões sobre exportações, medidas taxativas, as projeções de crescimento e a importância do agronegócio para economia brasileira!
Scot Consultoria: Falando sobre as tensões comerciais entre China e EUA, qual o real potencial de impacto negativo sobre o crescimento da economia e do comércio global? E se os chineses endurecerem a taxação de produtos agrícolas dos EUA, o nosso agro será beneficiado em algum aspecto ou indiretamente sofreremos os danos desse impasse?
Haroldo Torres: De modo geral, o Trump é um cara que tem nos ajudado muito, principalmente quando se fala de etanol e desse setor, mas vamos pensar um pouco sobre o caso China x EUA. A China hoje é o segundo principal parceiro do Brasil, mas eu acho que nessa briga comercial, quando a gente fala em taxação de 25% sobre as importações americanas, se abre outro cenário. A China é a maior demandante de commodities de alimentos do mundo, se você olha todo o Sul e Sudeste asiático, estamos falando de aproximadamente 51% da população mundial. Portanto, essa taxação de 25% da China em cima dos produtos americanos, abre espaço para nós ampliarmos nossa participação no mercado Chinês. Se olharmos alguns produtos, como por exemplo o algodão, não quer dizer que o Brasil vai substituir os EUA, que são os principais exportadores mundiais, mas a sobretaxa chinesa melhora um pouco o cenário para o Brasil.
Se olharmos para o etanol, nosso principal comprador é a China, e o maior exportador hoje de etanol é os EUA que mandam grande parte desse etanol para China, ou seja, a sobretaxa pode garantir uma competividade melhor para o etanol brasileiro. Mas essa competividade estará ligada principalmente ao desempenho logístico de exportação.
Falando de outro setor, como o de carnes, quem pode vir a ganhar com essa taxação é a área de suínos. E o outro caso é a soja, hoje a China é um grande parceiro do Brasil no grão, mas sabemos também que um terço da produção americana de soja é destinada a China. Então no mercado global há uma possibilidade de mudança no dinamismo das relações comerciais, principalmente para as commodities, como soja, etanol, algodão, onde os EUA são muito competitivos com o Brasil.
E dado a importância da importação do mercado chinês, há abertura de um espaço para o Brasil, porém, abre a oportunidade também para outros players. Por exemplo, o EUA vai continuar exportando etanol, só vai mudar o fluxo de destino. Então por um lado em aspectos globais eu vejo um lado positivo, por mais que eu não ache positivo falar de taxação, pois acredito que é importante que a gente fale cada vez mais de um mercado aberto, onde não tenham barreiras tarifárias, não tenham barreiras protecionistas e que de fato a gente fale do livre comércio. Mas, considerando todos aspectos, eu acredito que vai ser bom principalmente para mudança do dinamismo do comércio global e benéfico para o agro brasileiro, que pode se aproveitar desse cenário.
Scot Consultoria: Falando sobre a medida antidumping nas importações de frango do Brasil, você acredita que esta decisão chinesa mostra que as indústrias do nosso país são vulneráveis a ações deste tipo?
Haroldo Torres: Como formação neoclássica, sou fiel seguidor da linha de livre comércio. Quando a gente olha para esse direito antidumping sobre as importações de carne de frango parece que é um retrocesso nas relações internacionais. Portanto, aquilo que você coloca é de fato uma ameaça, principalmente quando olhamos para cadeia animal de proteína de frango. Se não me engano em abril desse ano a União Europeia proibiu cerca de 20 frigoríficos de exportar frango para bloco. Olhando especificamente esse caso da China, 50% das exportações de carne de frango na China são provenientes do Brasil, ou seja, o Brasil é um importante player nesse mercado. Só que esse é um movimento que devemos aproveitar como uma oportunidade.
De fato, vamos provar que não é uma questão ligada a dumping que nós estamos praticando nos preços da carne de frango.
Como disse anteriormente, sou um fiel defensor do livre comércio, creio que isso está sendo um retrocesso nas relações comerciais, mas eu vejo pelo lado positivo, o Brasil deve entender como uma oportunidade para focar em algumas características mais interessantes, que é olhar para nosso produto, não só para segurança ou qualidade, mas pensar em uma questão de cadeia global de valor, em rastreabilidade em economia de escala, variedade, diferenciação, enfim, olhando para segurança e qualidade sim, mas com valor agregado. Isso serve como uma oportunidade para o Brasil melhorar suas relações comerciais e melhorar sua cadeia, principalmente de proteína animal a serviço da alimentação, rastreabilidade, etc. Mas como eu falei, de fato está sendo um retrocesso que vai penalizar a cadeia do agro esse ano.
Scot Consultoria: Pensando um pouco sobre a macroeconomia brasileira, o senhor acredita que o agronegócio é um dos setores com maior vitalidade?
Haroldo Torres: Eu acho que se olharmos um pouco para as projeções, a ONU fala que até 2050 nós vamos ter 9 bilhões de habitantes, com enfoque para sul e sudeste asiático, com 50% da população ali presente, mas não se tem nem 20% da água disponível naquela região. E para alimentarmos 9 bilhões de pessoas, vamos ter que aumentar cerca de 70% da produção de alimentos até lá e esse é o papel que o Brasil pode suprir muito bem enquanto produtor global de alimentos, e cada vez mais seguindo aquela linha que eu estava falando de valor agregado. O Brasil pode entrar nessa onda de valor agregado e tem um potencial enorme de suprir essa demanda mundial de alimentos.
Mas esse ano vai ser uma exceção. Nossa expectativa de crescimento do agronegócio em 2018 é de 0,2% e a expectativa é que nosso PIB cresça próximo a 1,8%, isso é fruto de diversos fatores, como impasses climáticos e produtivos, além da greve dos caminhoneiros que teve impacto substancial no faturamento das empresas do agronegócio.
Só que quando olhamos as perspectivas para os próximos anos, o agro deve crescer em média 3,0% ao ano, enquanto o PIB vai crescer em taxas menores que isso, se não me engano o Focus estima em 2,7%. Então novamente, o agro vai ser sim o propulsor da economia brasileira para os próximos anos, mas muito além disso, é importante que a gente ocupe dentro do cenário internacional o nosso papel enquanto líder da produção mundial de alimentos, só que olhando para aspectos que citei anteriormente, participando de uma cadeia de valor coordenada dentro dos players globais, etc.
Scot Consultoria: Para finalizarmos, qual o seu recado para os agropecuaristas brasileiros?
Haroldo Torres: A grande mensagem que fica é que de fato a decisão está em nossas mãos em outubro e acredito que o nosso grande viés “penalizador” do crescimento tem sido as políticas econômicas errôneas, políticas econômicas pautadas em resolução de problemas a curto prazo, sem resolver os problemas estruturais da economia brasileira, ou seja, os problemas que circulam em torno de produtividade de mão de obra, que visem a carga tributária do país, melhorem as questões sobre logística, etc. Então eu acho que temos um cenário muito promissor para o agronegócio para os próximos anos, mas que tudo isso depende do condicionamento do mercado interno, principalmente condicionamentos estruturais e que vão ser fornecidos por aspectos políticos
Portanto, meu recado é maior no sentido de a gente escolher bem o candidato nas próximas eleições e que a gente consiga transferir um pouco daquilo que o agro faz e do que o agro espera na nossa representatividade agora.
Entrevistado:
Haroldo Torres, mestre em economia pela ESALQ e gestor do PECEGE-USP
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