Foto: Apta.
A agregação de valor à cadeia leiteira será tema de um bloco do Encontro da Pecuária Leiteira da Scot Consultoria. O evento acontecerá dia 4 de outubro de 2018, no Centro de Eventos do Ribeirão Shopping, em Ribeirão Preto-SP.
No dia 5, haverá um dia de campo, com visitas à Fazenda Rio Pardo (Laticínio Almeida Prado), em Bocaina-SP, que é o tema desta entrevista, e à Fazenda Cravinhos, em Cravinhos-SP.
A Scot Consultoria sabe que aumentar os lucros com a produção de leite é um desafio e a saída está em alternativas que agreguem valor ao seu produto, como, por exemplo, o pagamento por qualidade, produção de leite orgânico, leite A2A2, leite de búfala etc.
Falando em leite de búfala convidamos a produtora, Mariana de Almeida Prado, da Fazenda Rio Pardo (Laticínio Almeida Prado), para comentar um pouco sua experiencia com esse tipo de atividade. Mariana também é coordenadora do programa de certificação Selo de Pureza da Associação Brasileira dos Criadores de Búfalos.
Mariana dará uma palestra sobre o mercado de leite de búfalas durante o evento. Confira um pouco do que ela abordará, lendo a entrevista e não deixe de se inscrever para nosso Encontro!
Scot Consultoria: Mariana, conte-nos um pouco sobre o começo do Laticínio Almeida Prado e da importância da agregação de valor à pecuária leiteira.
Mariana de Almeida Prado: Nossa história aconteceu com o desenrolar de algo muito íntimo, que veio de dentro, por um desejo interno de minha mãe, Maria Cecília, fundadora do Laticínio Almeida Prado, como consequência da maternidade.
Assim, as primeiras búfalas chegaram à Fazenda em 1980, eu tinha 1 ano, já havia chegado meu irmão e, nos dois anos seguintes, minhas duas irmãs chegariam, completando o quarteto.
Ao conhecer os diferenciais, em termos de qualidade alimentar, do que o leite de búfala provinha, minha mãe optou por adquirir nossas primeiras “bufalinhas” de um compadre vizinho de porteira.
As búfalas encantaram a todos nós, em razão da personalidade, comportamento, beleza estética ínsitas à essa espécie bovídea, e o leite que, inicialmente, era para alimentar aos 4 filhos, foi sobrando e o plantel foi aumentando naturalmente.
Tínhamos em casa uma pessoa muito especial, próxima à família, extremamente talentosa e com dotes especiais para culinária: a nossa querida Terezinha, mais conhecida por nós como Eta, e que convive conosco no seio da família até hoje.
Aos poucos ela e minha mãe começaram a fazer as primeiras receitas dos nossos primeiros queijos. As primeiras cobaias foram os amigos, depois minha mãe começou a comercializar, naturalmente, para locais próximos à fazenda.
Quando minha mãe percebeu o potencial do que o leite poderia trazer, em termos de rendimento, o real impacto na rotina alimentar das pessoas em razão da qualidade alimentar do leite de búfala e a exclusividade preciosa desse produto, dado o fato de entendermos que estamos em um mercado de nicho de alta qualidade e precisão, resolveu montar a nossa primeira fábrica ao lado da sede da fazenda.
Desde o início de nossa trajetória procuramos por profissionais que trouxessem conhecimento para as rotinas, tanto na área administrativa, fiscal, contábil, pesquisas de universidades para atender ao manejo específico para búfalas. Apesar de todo o amor às búfalas, tudo foi desenvolvido com dedicação profissional.
Concomitante a isso, como a búfala não era algo comum, minha mãe percebeu a necessidade de iniciar uma gestão das informações do plantel e, assim, encomendou um software taylor made, que durou até há 1 mês atrás, para gerir os dados zootécnicos das búfalas. Hoje, estamos migrando todos os dados desse programa para um novo software.
Com essas informações, absolutamente indispensáveis, conseguimos entender a evolução do manejo, fazer correções, iniciar uma seleção pensando no rendimento qualitativo do leite, mas sempre entendendo e respeitando as características naturais e singularidades da verdade dessa espécie: tratamos as nossas búfalas como búfalas e jamais buscamos qualquer tipo de prática emprestada do universo das vacas, optando, muitas vezes, por um caminho mais longo e árduo de rotina no mangueiro, como, por exemplo: não retiramos os seus belos chifres, não estimulamos com hormônio a descida do leite e o incremento no volume dele, não retiramos os bezerros de perto de suas mães e outras rotinas que nos custam mais trabalho, isso porque mantemos a autenticidade e respeitamos a natureza singular das búfalas.
Entendemos que essas posturas são coerentes com as nossas origens, afinal o negócio Almeida Prado, nasceu de dentro, surgiu do íntimo de uma pessoa que sempre zelou pelo melhor aos seus filhos, nada mais coerente do que manter isso em todas as nossas atitudes no espectro de nosso sistema de trabalho.
Um de nossos grandes desafios foi entender que a matéria prima que temos aqui, é diversa daquela encontrada na Itália, dado as condições geográficas e mesmo outras tantas variáveis específicas de clima e raça diversa. Mesmo assim, conseguimos fazer uma mozzarella de excelente qualidade no Brasil, porque sabemos extrair o melhor do nosso leite.
Por esse motivo que, hoje, o Laticínio Almeida Prado tem uma única força motriz, um único coração: o nosso comercial conhece o leite, conhece a arte de se fazer os queijos que atendem aos desejos e sonhos da marca Búfala Almeida Prado. Somos movidos por um único pulso que fomenta o nosso dia-dia.
Nossa equipe, hoje, tanto de nossa principal Fazenda (Rio Pardo), como do Laticínio, está, também, alinhada com essa orientação. As pessoas que estão conosco, diariamente, fazem parte do time há muitos anos. Temos baixíssima rotatividade em todas as áreas de nossa longa cadeia, desde o pasto até o comercial. Nesse quesito, optamos também pela mesma variável: qualidade, mas associada à consciência que temos do impacto que o trabalho é capaz de realizar na vida das pessoas e sentimos que oportunizar trabalho com reais chances de evolução pessoal para que possa prosperar é algo libertador e que beneficia a todos, tanto a cultura Almeida Prado, como a vida das pessoas que fazem parte do nosso time, resultando em baixíssimos índices de tour over.
Nosso time é enxuto, engajado, responsável, eclético, mas, também, batalhador, dedicado e especialmente íntegro à visão de nossas origens. Para se ter ideia, a título de exemplo: operamos 7 dias por semana, 24 horas por dia, as atividades iniciais têm começam às 2h30 da manhã, quando, antes de iniciarmos a confecção de nossos queijos, realizamos uma inspeção interna em toda a fábrica para que ela esteja impecável, com assepsia higienizada de forma ‘hospitalar’. Isso requer do time muita dedicação!
Sabemos que essas opções não são o caminho mais fácil, mas é o caminho coerente com a nossa origem e, por isso, tem dado certo e estamos há 38 anos no mercado, sem estoques, sem devoluções, sem quebra de fornecimento e, diariamente, somos identificados como a marca de qualidade para se associar aos chefs mais renomados de São Paulo, como verdadeiro parceiro na criação de novas possibilidades gastronômicas. Estamos deixando de ser fornecedores e estamos nos tornando parceiros umbilicalmente ligados a inovação de alto nível da melhor alta gastronomia.
No setor comercial, por exemplo, há 10 anos, optamos por internalizar todo o nosso comercial, encerramos as relações com representação comercial terceirizada, abrimos nosso CD (centro de distribuição) na capital de São Paulo e montamos um time enxuto, jovem, responsável, conhecedor do que é uma mozzarella da melhor qualidade e sonhadora e apaixonada por novos desafios.
Entendemos que o sonho que faz a Almeida Prado ser o que é, se concretiza de forma essencial em uma frase: levar um alimento nutricionalmente generoso conectando as pessoas através desse sentimento tão especial: o amor!
Nós somos uma empresa direcionada em viver e conviver sob o guia desse poderoso sentimento. O amor em fazer o que se acredita, o amor em ser coerente e não transigir com opções que possam ser simplistas, o amor que conecta criando relações substanciais aonde se troca o cliente pelo parceiro e amigo.
Nossa empresa nasceu do amor de uma mãe por seus 4 filhos, respeitamos nossa origem e temos esse sentimento como farol que ilumina o nosso caminho. Cuidamos de nossas búfalas para que vivam felizes em nossas Fazendas porque cuidamos de cada uma delas com esse sentimento genuíno e transformador.
Scot Consultoria: Como é feito o melhoramento genético do rebanho da Fazenda Rio Pardo?
Mariana de Almeida Prado: A base de nosso melhoramento genético é o controle leiteiro realizado há mais de 30 anos. Fazemos pesagens duas vezes ao mês e separamos os 6 lotes que temos na fazenda de modo a diferenciar os diversos tipos de manejo alimentar e o impacto que geram em nosso leite.
Complementamos a variável reprodutiva das búfalas com algumas iniciativas: fazemos a IATF (Inseminação Artificial em Tempo Fixo) e FIV (Fertilização in vitroI), além da monta natural com nossos touros, buscando sempre a desestacionalização do ciclo reprodutivo de nossas búfalas. Usamos um quadro bastante didático e visual para entender a situação reprodutiva anual do plantel e, assim, tomamos decisões.
Optamos pela pura raça Murrah. Não fazemos mistura de raças, ao contrário, nosso plantel é exclusivamente desta raça indiana. Fazemos os registros genealógicos de nosso plantel com a comunicação de cobertura e nascimento para a obtenção do registro definitivo na Associação Brasileira de Criadores de Búfalos.
Scot Consultoria: Mariana, em sua opinião, quais as vantagens de se criar búfala?
Mariana de Almeida Prado: A búfala tem várias vantagens:
1) Animal rústico, resistente a doenças e adaptável a condições adversas.
2) Pode-se dizer que a búfala é, naturalmente, um animal orgânico, especialmente nas condições de nosso manejo, pelo fato de serem tratadas em todos os aspectos como búfalas e não vacas.
3) Possui aparelho digestivo privilegiado: é capaz de realizar conversão alimentar mais eficaz.
4) É um animal com alto índice de fertilidade e baixa taxa de mortalidade. Em nossa fazenda, temos búfalas com até 15 crias, dando leite de qualidade.
5) Possui qualidades nutricionais do seu leite superiores ao leite de vaca. A cada 100ml de leite comparado ao da vaca, temos quase o dobro de proteína, cálcio, ferro, fósforo, além do leite de búfala possuir o ácido linoléico CLA (partícula Cla, que é anticancerígena). Também temos o benefício de sermos um leite com proteína beta caseína A2 e, pelo baixo índice de açúcar no leite, somos de baixa intolerância e lactose.
6) O leite tem um rendimento diferenciado quando comparado ao leite de vaca, gerando vantagens quando na produção de queijos. No entanto, dado as particularidades físico químicas da gordura e proteína do leite, o investimento em capital físico e humano é bastante superior e específico relativamente ao universo da vaca. Nosso maquinário é todo importado da Itália, nossos queijeiros fazem frequente aprimoramento técnico na Itália.
Entender que o leite é uma variável orgânica com dados diários próprios e diversos, conhecer essas variáveis e entender o que esse leite específico do dia pode render é algo que nos dá liberdade e autonomia no momento da criação dos produtos na rotina do dia-dia e nos mantém vivos e alertas para cada nova possibilidade que se apresenta travestida de desafio.
Scot Consultoria: Mariana, quais as principais características inerentes a essa espécie?
Mariana de Almeida Prado: Em nossa visão, a principal característica da búfala é a sensitividade. A búfala é um animal com personalidade única que, apesar de seu tamanho agigantado, corresponde de forma matemática ao carinho e aos cuidados com suas singularidades. É extremamente dócil e tranquilo.
Scot Consultoria: Podemos dizer que a rusticidade é o grande diferencial?
Mariana de Almeida Prado: A rusticidade é um dado ínsito a sua genética, é um animal rústico, contudo, requer cuidados zootécnicos caso o objetivo seja a criação para obtenção de performance financeira, em razão de não ser um animal que provenha o volume de leite que uma vaca produz.
Scot Consultoria: Quanto aos produtos de origem animal, em que se diferenciam o leite de búfala?
Mariana de Almeida Prado: Acredito que a figura 1 explique de forma didática quanto aos diferenciais do leite de búfala quando comparado com o leite de vaca:
Figura 1.
Comparação entre leite de búfalas e de vacas.
Fonte: Associação Brasileira de Criadores de Búfalos.
Scot Consultoria: Quais os grandes desafios que envolvem a produção de búfalas? Em sua opinião, a melhor maneira para aumentar a rentabilidade da atividade é verticalizar a produção?
Mariana de Almeida Prado: O maior desafio em relação ao produtor que nos fornece o leite de sua propriedade, é que ele entenda o próprio mercado, como se estabelece a relação de custo benefício em relação ao mercado que ele vai atender.
Ao entender essa relação, é importante que ele aplique isso em sua fazenda, algo que requer investimentos iniciais, tais como entender a seleção genética do plantel com controle de informações de seu rebanho, a partir de iniciativas como, por exemplo, o controle leiteiro e zootécnico de seus animais. Portanto, o maior desafio para o produtor não é entender apenas do universo do leite da búfala, mas, sim, ter uma visão sistêmica e entender o que o mercado espera do leite dele.
Não basta ele nos oferecer apenas o leite, é necessário que este seja de qualidade, tenha regularidade e que ele entenda como a dinâmica do mercado remunera o leite que ele fornece ao Laticínio, que quem paga o litro do leite dele não é o estabelecimento que produz, mas, sim, o consumidor! Buscar formas para ajudar o produtor a entender essa dinâmica, que não necessariamente está próxima do produtor, é um grande desafio para nós.
A melhor maneira de rentabilizar a atividade é buscar incessantemente alto padrão de qualidade e que essa qualidade esteja atrelada a uma padronização de rotina.
Entendemos que o nosso mercado será ainda muito mais seletivo na medida em que o consumidor comece a se aculturar quanto às reais propriedades do produto e, assim, passa a conhecer o que é um queijo de búfala verdadeiramente diferenciado.
Nós, do Laticínio Almeida Prado, que criamos os queijos da marca Búfala Almeida Prado, estamos iniciando um novo processo de criação voltado para as duas pontas de nosso sistema produtivo: aos nossos fornecedores parceiros, que passarão a ter acesso ainda mais direto aos mesmos padrões zootécnicos que temos em nossas fazendas (desde que queiram implementá-los em suas propriedades), e o consumidor final e o público B2B, que passam, agora, a ter a possibilidade de conhecer de forma íntima o nosso processo produtivo, entendendo como fazemos, o que fazemos e o porquê fazemos desta forma.
Inovamos no Taste São Paulo [festival culinário que acontece em São Paulo-SP], ao levar uma experiência binaural ao evento, no qual os consumidores, bem como o público B2B, visitaram a nossa fazenda e tiveram uma aula prática sobre o que é a mozzarella da Búfala Almeida Prado.
Esse é o início de um projeto maior, que contempla a apresentação prática e real do que fazemos. Estamos iniciando uma nova fase dentro de nosso Laticínio ao nos aproximarmos de forma clara, verdadeira e real com os chefs dos maiores e melhores restaurantes do Brasil dando a eles: produtos que atendam a criação de seus pratos mais singelos ou rebuscados e que sejam construídos em conjunto, com o fim de atender, de forma específica, as necessidades de cada um que nos procura. Passamos, assim, além de entregar um produto, entregar um serviço e essa é a nossa atual transformação copérnica.
Entrevistada:
Mariana de Almeida Prado, conselheira consultiva da Búfala Almeida Prado.
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