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Scot Consultoria

Uma nova marca para pecuária brasileira

Entrevista com a pecuarista, Carmen Perez

Quarta-feira, 4 de novembro de 2020 - 16h00
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Pecuarista e entusiasta das práticas do bem-estar animal na produção animal. Carmen trabalha intensivamente sobre a pesquisa na fazenda Orvalho das Flores, localizada em Mato Grosso, juntamente com o Grupo de Estudos e Pesquisas e Etiologia - Etco, da Unesp-Jaboticabal e universidades internacionais.

Foto: Scot Consultoria


Nossa convidada desta semana é Carmen Perez, pecuarista e entusiasta das práticas do bem-estar animal na produção animal e nos contou sobre sua experiência utilizando as boas práticas em sua propriedade.

Há 13 anos Carmen trabalha intensivamente sobre a pesquisa na fazenda Orvalho das Flores, localizada em Mato Grosso, juntamente com o Grupo de Estudos e Pesquisas e Etiologia - Etco, da Unesp-Jaboticabal e universidades internacionais. Dentre as práticas estudadas em sua fazenda, Carmen Perez é referência especialmente para os projetos de identificação sem marca a fogo, desmama lado a lado e boas práticas ao nascimento, tanto que esteve na Alemanha para representar o Brasil para o tema. Foi presidente do Núcleo Feminino do Agronegócio (NFA) em 2017/2018, transformando o núcleo em uma associação. É uma das editoras do livro “Bem-estar animal no Brasil e na Alemanha. Responsabilidade e Sensibilidade”. Segue diversificando sua atividade e estudos, sempre com foco na sustentabilidade e faz questão de dividir e divulgar seus aprendizados em suas redes sociais em @carmenperez.agro.

Scot Consultoria: Primeiramente poderia nos falar um pouco sobre a campanha pela redução do uso da marca a fogo, intitulada “Uma nova marca para o Brasil”?

Carmen Perez: Antes de 2016, eu e o professor Matheus Paranhos iniciamos conversas sobre a retirada da marcação à fogo, e nos questionávamos: “como seria possível pararmos de marcar esses animais a fogo?”. Eu e minha equipe ficamos seis meses debatendo sobre o assunto, analisando como fazer para identificar esses animais a pasto (meses de nascimentos, vacinação, RGN etc.). Em 2016 nós começamos esse projeto na fazenda Orvalho das Flores, conversamos com a equipe e retiramos a marcação.

A campanha oficial teve início em 2020, quando paramos de marcar a fogo os animais na minha propriedade, na fazenda Orvalho das Flores, juntamente com nossos apoiadores. Neste ano, resolvemos oficializar e montar essa campanha em conjunto com alguns parceiros, para envolver o Brasil como um todo, na conscientização sobre o que a marca a fogo provoca.

Scot Consultoria: Quais prejuízos que essa prática traz para o desempenho do animal e quais os benefícios da substituição da marca a fogo por outras maneiras de identificar o gado?

Carmen Perez: Existem prejuízos diretos no bem-estar animal. Muitas pesquisas mostram que o local onde foi feita a marcação a fogo permanece aquecido por 168 horas, e é identificada como uma queimadura de 2º a 3º grau, e o processo inflamatório pode durar até oito semanas (até a formação de um novo colágeno).

Isso, consequentemente, deixa o animal reativo e estressado, dificultando o manejo e o trabalho de toda a equipe. Outro ponto importante a ser dito, é o prejuízo que a marcação a fogo traz ao mercado de couro (mais de US$1,0 bilhão de dólares por ano), e 20% desse prejuízo é advento da marcação a fogo.

O pecuarista geralmente acredita que não terá lucro em cima do couro na venda de um animal, porém o couro já está no valor embutido da @. Quando uma parte da cadeia produtiva da pecuária perde, todos os outros elos perdem também.

É muito importante considerar que o couro sintético vem ganhando um espaço enorme pelo apelo sustentável e o couro bovino perdendo cada vez mais espaço. O não uso do couro bovino, que é de muita qualidade, e precisa ser aproveitado dos abates, faz com que exista descartes errôneos desse produto.

Os benefícios da redução da marcação a fogo estão ligados diretamente na gestão da propriedade rural, na facilidade do manejo dos animais e na coleta de dados da fazenda.

A partir do momento que colocamos um botton eletrônico, eliminamos o processo de erros e contribuímos com o bem-estar dos animais, e não só isso. Promovendo a conscientização do que essa marca provoca, não estamos deixando a marca só no animal, mas na pecuária nacional também. E mais que isso, é mudar uma forma cultural.

Scot Consultoria: Na sua opinião, qual a melhor estratégia para vencer a cultura de marcar a fogo e começar a utilizar essas técnicas? Quais seriam outras tecnologias e ferramentas para essa substituição?

Carmen Perez: As estratégias mais importantes são: a conscientização, educação, conhecer outras formas de identificação dos animais e mostrar aos pecuaristas o que acontece quando um animal é marcado a fogo, levando conhecimento científico e falando sobre quais são as reações dos animais ao receberem esse tipo de marcação. Os bovinos são animais inteligentíssimos e tem memórias excelentes, após a marcação a fogo eles ficam reativos e com medo, dificultando todo o manejo.

Existem muitas formas de identificação sem ser a fogo, no Canadá, por exemplo, existe uma associação de Angus onde as marcações são feitas somente com brinco e bottons eletrônicos. No Reino Unido, a marcação a fogo foi abolida em 2007. A União Europeia tem reduzido significativamente esse tipo de marcação, assim como EUA, Austrália e Nova Zelândia. Quando marcamos um animal a fogo, não deixamos uma marca só no animal, mas sim na pecuária nacional, e essa marca é ruim.

Na nossa campanha focamos muito na redução desse tipo de marcação, e o objetivo é diminuir os grandes números de marcas feitas (ano, mês, quatro dígitos dos animais, RGN, RGD, programas de melhoramento genético etc.) e conscientizar todas as partes do setor produtivo sobre a importância dessa redução.

O próprio Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) quer uma marcação na face dos animais, sendo esta a região onde os animais possuem mais terminações nervosas, portanto, de maior sensibilidade. Tem uma pergunta que professor Mateus Paranhos faz e que fica a dúvida: ‘’será que é correto marcar no lugar certo?’’.

Existe uma Lei de 1939, chamada Ordem e Progresso, onde a marcação a fogo é lançada como a maior tecnologia para coleta de dados e organização da propriedade rural, se passaram 81 anos após essa lei, e será que depois de 81 anos nós continuamos na mesma era? Com tanta tecnologia, desenvolvimento social e cultural? Nesse mesmo decreto existe a Lei número 4.714, de 29 de junho de 1965, ainda vigente, que diz onde o animal tem que ser marcado, nos lugares corretos, da forma correta, porém poucas pessoas sabem da existência dessa lei. Nós produzimos alimentos para o consumidor final e esse consumidor está muito atento e exigente.

Vivemos em um mundo muito dinâmico, então, nós produtores, temos que estar muito atentos à todas as nossas práticas, e, se já é conhecido tudo isso, temos que nos movimentar e conduzir essa transformação.

Scot Consultoria: Já falamos sobre a questão econômica e da melhora na gestão, mas sabemos que essa marcação também prejudica a imagem da carne brasileira perante o mercado internacional. Qual a sua opinião sobre a importância dessa iniciativa?

Carmen Perez: Acredito que o Brasil tem milhões de vantagens. Estamos muito à frente no nosso sistema de produção, pois temos animais a pasto desempenhando seu comportamento natural e produzindo ao mesmo tempo. Diferente dos Estados Unidos por exemplo, que a maior parte dos animais são confinados.

Infelizmente existem muitas propagandas criticando a imagem da pecuária brasileira, justamente com relação à marcação a fogo, em uma delas mostra um bezerro sendo marcado na face, com o vaqueiro com o pé na cabeça desse animal, e isso é muito ruim para a imagem do país.

Realmente temos que mudar essa imagem e andar adiante, mostrando que hoje a nossa pecuária é produtiva, sustentável, e acima de tudo, preocupada com o bem-estar dos nossos animais.

Scot Consultoria: Quais as expectativas para essa campanha, a longo prazo? O Brasil já tem iniciativas?

Carmen Perez: O Brasil já tem colaborado. No Rio Grande do Sul existe um decreto, que os animais que possuem a identificação eletrônica (SISBOV), não precisam receber a marcação na face como a da brucelose). É uma iniciativa estadual, mas existe e é um grande progresso.

Esse ano, procuramos e tivemos vários contatos com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) solicitando a abolição da marca da brucelose na face do animal. A lei que exige a marcação é contraditória, pois qualquer produtor rural na hora de comprar as doses da vacina da brucelose, necessita da presença de um médico veterinário, sendo assim, qual é a necessidade real de marcar a face desse animal, se o acompanhamento com o veterinário já está sendo feito?

Entramos com um pedido junto ao MAPA, solicitando que retirassem a obrigatoriedade da marcação na face, e caso não fosse possível, pelo menos substituir a marcação da face pela marcação na paleta.

Em nível de Brasil, essa campanha é a longo prazo, é uma mudança cultural, cuja conscientização levará tempo. Estamos quebrando paradigmas e levando conscientização e educação para equipe do campo e para os produtores do Brasil.


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