Professor sênior de agronegócio no Insper e coordenador do centro Insper Agro Global, é engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, mestre em política agrícola pela Montpellier-França, doutor em administração pela FEA-USP e livre docente pela ESALQ. É membro do Board of Trustees do International Food Policy Research Institute (IFPRI) em Washington, Estados Unidos, do Conselho Consultivo Independente da Cargill Global para sustentabilidade, uso da terra e proteção de florestas e membro dos Conselhos da RUMO Logística (CAD) e da COMERC Energia.
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Nosso bate-papo desta semana foi com Marcos Jank.
Marcos Jank é professor sênior de agronegócio no Insper e coordenador do centro Insper Agro Global, é engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, mestre em política agrícola pela Montpellier-França, doutor em administração pela FEA-USP e livre docente pela ESALQ. É membro do “Board of Trustees” do International Food Policy Research Institute (IFPRI) em Washington, Estados Unidos, do Conselho Consultivo Independente da Cargill Global para sustentabilidade, uso da terra e proteção de florestas e membro dos Conselhos da RUMO Logística (CAD) e da COMERC Energia.
Scot Consultoria: Marcos, o senhor poderia comentar sobre o tema abordado no Encontro dos Analistas da Scot Consultoria (27/11), e sobre a importância do nosso evento para o setor agropecuário nacional?
Marcos Jank: O Encontro de Analistas da Scot Consultoria já é um evento tradicional, que tem muita respeitabilidade no setor e muito alcance. É a segunda vez que participo e percebi o quanto ele é importante, particularmente neste ano, em função da pandemia, que ninguém esperava, e acabou por ser um ano de recordes para as exportações brasileiras, devido ao auge do problema da peste suína africana (PSA) na China, que criou o famoso ”boi China”, junto à situação da taxa de câmbio que acaba gerando um efeito redistributivo. Quem hoje exporta, quem tem acesso à China, está em uma situação favorável, mas quem está operando apenas no mercado interno, não consegue repassar o preço, além dos preços do bezerro, do milho e da soja.
Vivemos um ano cheio de turbulências, apesar de muito positivo para as exportações, e exige de nós uma reflexão de como nos organizaremos e coordenaremos melhor essa situação. Além disso, há uma outra pressão sobre a pecuária, a da produção sustentável. Levando em consideração a questão da Amazônia, do desmatamento, a pecuária acaba sendo o setor mais exposto.
Esses temas fundamentais que a Scot Consultoria trouxe para os debates e abordou este ano, ainda que em tempos de pandemia, com um modelo diferente que pôde sustentar nossas dúvidas, com a presença de personalidades de renome do setor.
Scot Consultoria: Ao longo dos últimos anos, a pecuária brasileira observou as áreas de pastagem perderem espaço para as lavouras, porém, mesmo assim, obtivemos um avanço em eficiência produtiva. Quais são os principais pontos responsáveis por esse incremento em produtividade?
Marcos Jank: O principal fator que está levando a pecuária para frente é a pressão da agricultura. Quem está comparando a rentabilidade da pecuária com a lavoura, a soja e o milho, tem uma visão de evolução. O pecuarista acaba tendo de optar por dois caminhos: ou melhora a tecnologia da sua propriedade, investindo apenas no setor, ou integra a agricultura como os sistemas atuais de Integração Lavoura-Pecuária (ILP) e Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF).
Esses sistemas, em especial a ILP, representam 15 milhões de hectares no Brasil. No começo dos anos 2000 eram dois milhões de hectares e hoje já alcançamos esses patamares, isso é uma notícia muito boa. Na minha visão, produtores de lavoura antigamente tinham certa restrição para integrar os dois setores, por tratarem-se de solos mais arenosos, de maiores dificuldades de manejo. No entanto, hoje a tecnologia permite que isso aconteça e na década atual, esses sistemas serão uma revolução no setor, com um aumento mais intenso nos ganhos de produtividades da pecuária como um todo, em termos de arroba por hectare. Esse processo é inexorável.
Outro grande desafio do setor será resolver o problema histórico do desmatamento na Amazônia, que hoje, é basicamente ilegal, e que atinge duramente a imagem da pecuária. Sugiro que nossa comunicação, e nossas relações internacionais, devam ser mais presentes, fazendo com que a relação do governo, do setor privado e da população possa ser explorada positivamente em prol da nossa imagem, levando em consideração o ganho em produtividade que o Brasil tem demonstrado em sua integração com a agricultura.
Scot Consultoria: Qual o maior desafio das exportações no agronegócio brasileiro neste ano pandêmico?
Marcos Jank: O maior desafio que temos hoje, na minha opinião, está ligado a essa decalagem das exportações em função da taxa de câmbio e demanda inernacional aquecida e o mercado interno. Nesse cenário, estamos criando ganhadores e perdedores. Quem está comprando hoje esse boi caro, se não tem acesso à China, será pressionado. Quem está comprando esse milho e essa soja, em especial os setores de aves e suínos, a preços em reais elevados, será impactado.
Considero um alto risco de inflação de alimentos, pressionando o índice de inflação do país. A inflação do país vai para 3% ao ano, mas o índice de inflação de alimentos vai para 10% neste final do ano. Isso obviamente é um problema de imagem, a sociedade já sentiu com os preços do arroz, do óleo de soja, do leite. Considero importantíssimo explicar aos consumidores o que está acontecendo para termos esse cenário. Para termos ideia, a agricultura em 30 anos trouxe diversos benefícios, principalmente em redução de custos na composição da cesta básica.
Em 1974 a cesta básica de alimentos representava 34% do orçamento familiar, hoje representa cerca de 17%. Hoje as pessoas gastam muito menos com comida do que gastavam e esse processo ocorre graças a produtividade alcançada pela agricultura. Nós temos algumas questões este ano que se colocam lado a lado com a inflação de alimentos. Pelo lado da compra de insumos, segundo o Alexandre Barros, os ativos estão esticados, ou seja, o preço do bezerro, da terra, estão fora de patamar, e a conta não fecha, pela rentabilidade do negócio. Assim, precisamos entender que o momento de alta volatilidade e de juros baixos, câmbio alto, como observamos atualmente, é uma conjuntura diferenciada, que exige que, como produtores, saibamos nosso limite.
Scot Consultoria: A China com uma população de 1,4 bilhões de habitantes e tem uma enorme necessidade de abastecimento de consumo, que foi mais influenciada pelo surto da peste suína africana, no começo de 2018. Quais são as tendências para o mercado chinês em relação à demanda por produtos agropecuários brasileiros a médio e longo prazo?
Marcos Jank: A China sempre tentará ser autossuficiente e a questão de segurança alimentar no país é parte dos planos quinquenais do governo, estando sempre no centro das preocupações. As questões de alimentos, minerais e energia, são fundamentais para o país que apresenta uma população enorme e tem restrição de recursos naturais.
Em algumas áreas, principalmente para lavoura e pecuária, eles precisarão importar. Já faz alguns anos que a China é grande importadora de soja, com cerca de 80% da soja chinesa oriunda de outros países. Recentemente o país abriu o mercado para a importação de algodão, açúcar, além de carne bovina, com a liberação de mais frigoríficos. Destaco que, das três principais proteínas de origem animal que são exportadas para China (aves, suínos e bovinos), a carne bovina não será autossuficiente no país, enquanto que na produção de suínos e aves eles não medirão esforços para serem autossuficientes, mas comprarão a soja e o milho do mercado brasileiro.
Antes, a China possuía uma produção de suíno de ”fundo de quintal”, hoje a produção é extremamente comercial e tecnificada. Na bovinocultura eles não conseguem esse feito e isso nos dará uma oportunidade de negociação com a China no longo prazo, sempre buscando transparência e confiança, e para isso não podemos atacar a China gratuitamente, temos de construir confiança com o país que é nosso maior cliente.
O mercado chinês acaba de aumentar os números de frigoríficos habilitados para a exportação chinesa, antes eram 60 e hoje são 100. Queremos, que daqui a um anos, sejam 150 plantas ou que voltemos para 60 unidades pós-PSA? Precisamos de uma estratégia mais sólida e o setor privado tem que pressionar o governo para manter essa relação estável e positiva.
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