Karla Kudlawiec é pesquisadora, engenheira agrônoma pela Universidade Federal do Paraná UFPR, Mestre em Ciência - Área de concentração: Entomologia (2021) (ESALQ/USP) com mestrado sanduíche no Instituto de Ciências Agrarias ICA-CSIC, Madri- Espanha, Departamento de Proteção Vegetal (Bolsista FAPESP).
Mônica Müller é pesquisadora, engenheira agrônoma e mestre em Agronomia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná, doutora em Proteção de Plantas pela Universidade Federal do Paraná com parte dos seus estudos e experiência profissional na Alemanha pela empresa BASF SE.
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Scot Consultoria/Destaque Rural: A ferrugem asiática, principal doença da soja, pode comprometer até 90% da produtividade. Tendo em vista que duas ocorrências dela já foram registradas no Paraná, esses casos trazem preocupações para a próxima safra?
Karla Kudlawiec: Na safra 2021/22, o primeiro relato da ocorrência foi em 6/12/21. Nessa safra, 2022/23, a primeira notificação ocorreu por volta de 25/11/22, embora os esporos tenham sido observados em 28/10. Esse acompanhamento dos esporos ocorre em várias regiões, com objetivo de monitorar o início da infecção.
Acredito que o ponto mais preocupante é que, a partir do momento em que vemos o primeiro foco, a tendência é de isso se alastrar até outras lavouras e regiões. São necessárias condições específicas para o fungo se estabelecer e se multiplicar.
Scot Consultoria/Destaque Rural: Como a ferrugem asiática da soja se dissipa nas lavouras?
Karla Kudlawiec: A disseminação do fungo é, principalmente, pelo ar. A disseminação e sua rápida multiplicação fazem com que a ferrugem seja um problema importante como propagadora de epidemias em plantios. Mas é claro que há várias estratégias de manejo que são adotadas para evitar a ocorrência dessa epidemia.
Cada estrutura do fungo tem a possibilidade de liberar os esporos por até 21 dias, então, dentro da lavoura, muitos esporos isolados podem iniciar o processo de infecção, aumentando a probabilidade de ocorrer uma epidemia de ferrugem nas lavouras.
Scot Consultoria/Destaque Rural: Quais são os impactos que a ferrugem asiática traz para a cultura da soja?
Karla Kudlawiec: A ferrugem asiática é a principal doença da soja justamente pelos impactos na produtividade, que pode ser afetada em até 90%. O produtor sente esses impactos diretamente no bolso, porque a improdutividade da cultura vai trazer prejuízos no fechamento das contas.
Dependendo do estágio em que o fungo começa a se desenvolver, ocorre a desfolha da vegetação. Isso prejudica a fotossíntese e, consequentemente, o enchimento de grãos, causando um impacto final considerável na produtividade.
Scot Consultoria/Destaque Rural: De acordo com o Consórcio Antiferrugem, houve um aumento de quase 170% na incidência dessa doença, considerando as últimas três safras – de 2019 até 2021. Quais são as causas para esse aumento no número de ocorrências?
Karla Kudlawiec: O primeiro ponto é que a disseminação é muito fácil. Quando a lavoura está em uma condição de fechamento da entrelinha, a umidade se torna ideal, assim, tendo a presença do fungo na lavoura, ocorre a infecção e o processo de multiplicação nas áreas de cultivo é iniciado.
As condições ambientais de umidade e temperatura influenciam a ocorrência dos fungos em geral. Com as condições ideais, a presença do hospedeiro (soja) e do inóculo (esporo da ferrugem), é muito fácil que a doença ocorra no campo.
Scot Consultoria/Destaque Rural: Nós tivemos a estiagem ano passado, principalmente na região Sul do Brasil, fazendo com que muitos produtores abandonassem as suas áreas, deixando suas culturas sem manejo. Isso pode influenciar na ocorrência da doença neste ano?
Karla Kudlawiec: Quando o produtor faz o abandono dessas áreas, deixa de fazer as aplicações de fungicidas para reduzir a multiplicação do fungo e acaba aumentando as chances de que isso traga impactos nas lavouras de mesma safra e, talvez, nas safras subsequentes.
Por mais que ocorram cenários de estiagem, os manejos e as práticas, que já são muito bem estabelecidos, precisam ser mantidos para que não ocorra uma epidemia que prejudique toda a produção local.
Scot Consultoria/Destaque Rural: Quais são as principais práticas e ações que podem ser adotadas para a prevenção da ferrugem asiática?
Mônica Müller: Como diz o ditado: “é melhor prevenir do que remediar”. A prevenção é essencial pois, uma vez que a doença começa a se desenvolver na cultura, a multiplicação é rápida. A dificuldade de controlar a ferrugem quando ela já está estabelecida na cultura é muito maior.
Alguns pontos para a prevenção:
Scot Consultoria/Destaque Rural: Também existe uma preocupação em relação à resistência aos fungicidas. O que deve ser feito para minimizar esse problema?
Mônica Müller: É um problema importante para diversos fungos e é muito estudada para a ferrugem. Para o manejo da resistência, é necessário fazer todo o dever de casa e, quando for utilizar os fungicidas na lavoura, ter atenção em rotacionar os ingredientes ativos ou, quando possível, até mesmo os grupos químicos de fungicidas. Não fazer sempre a aplicação sequencial do mesmo produto, utilização de produtos que sejam multissítios e que tenham junto à aplicação dos produtos de sítio-específico.
Outro ponto é utilizar as doses recomendadas pelos fabricantes. Subdoses, ou superdosagens, dos produtos também podem gerar um aumento dessa resistência.
Scot Consultoria/Destaque Rural: Qual a importância da escolha da cultivar nesse processo de prevenção e manejo da ferrugem?
Mônica Müller: Em alguns casos e estados, a utilização de um material que não seja tão sensível, que seja tolerante à ferrugem, é possível. Um material de ciclo curto, caso você vá fazer uma segunda safra, é algo que pode ajudar no não estabelecimento da ferrugem dentro da cultura.
Resumindo, um material de ciclo curto e um plantio até um pouco mais precoce podem evitar que a doença se estabeleça na lavoura.
Scot Consultoria/Destaque Rural: A ferrugem é uma doença muito pesquisada justamente por ser a principal da cultura da soja, que é também a principal cultura no país. Nós já presenciamos o sequenciamento do genoma e avanços no uso de produtos biológicos. Qual deve ser o futuro do controle e da incidência da ferrugem asiática no Brasil?
Mônica Müller: A tendência para o futuro é que não se use um método isolado. Antes, o controle era muito pautado somente em químicos (fungicidas) e era quase a única estratégia, sem nem mesmo praticar a rotação de fungicidas.
Para o futuro, a integração de ferramentas para manejar, não só a ferrugem, mas todas as doenças que o produtor vem enfrentando na cultura da soja, será essencial. Então, o controle cultural, sanitário, a calendarização, o controle químico e uso de biológicos, todos integrados, estão sendo estudados para que, no futuro, a batalha contra a ferrugem seja vencida.
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