Darlan Palharini é bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do RS-Unijuí, possui mestrado em Agronegócio pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pós-graduação em Contabilidade e Finanças pela FGV. É secretário executivo da Sindilat – Sindicato das Indústrias de Laticínios do Rio Grande do Sul.
Glauco Carvalho é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG. Possui mestrado em Economia Aplicada pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” e doutorado em Agricultural Economics pela Texas A&M University. É pesquisador na Embrapa Gado de Leite.
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Scot Consultoria/Destaque Rural: Nos últimos meses, o leite pago ao produtor caiu. Como está o mercado no Rio Grande do Sul?
Darlan Palharini: No primeiro trimestre do ano, acabamos enfrentando a crise hídrica e, com isso, tivemos uma diminuição na produção e por parte das indústrias, redução na captação.
O período de abril até maio teve uma das piores ofertas de leite no Brasil e na América do Sul. Nós tivemos altas na matéria-prima e nos principais derivados lácteos. Foram registrados valores históricos, mesmo nos melhores anos, os preços dos lácteos não atingiram esses patamares que vimos em agosto/setembro. Com isso, as grandes indústrias, como chocolatarias e panificadoras, começaram a buscar alternativas para diminuir o custo de produção, já que eles utilizam o leite em pó como um dos seus principais insumos.
Tanto a Argentina quanto o Uruguai já tinham um preço menor do que o Brasil. Normalmente, o custo circula entre 36 e 45 centavos de dólar e, nesse período, estávamos chegando até 70 centavos de dólar. Isso ocasionou um grande aumento de entrada de leite em pó no Brasil e, como consequência, a baixa nos preços. Com isso, a partir de setembro, entramos em um período de certa estabilização nos preços, seguido de queda.
Temos também algumas reduções de custo de produção no campo. Neste último quadrimestre do ano, tivemos a entrada de Minas Gerais na produção, que consegue ter um custo menor frente aos três estados do Sul, principalmente na questão de que grande parte dessa produção é a base de pasto e na região Sul não há predominância dessa característica.
Como nós estamos passando por um período de renda baixa da população, o planejamento de custos de produção e a produtividade por animal são fatores determinantes para que a produção de leite do Rio Grande do Sul se mantenha competitiva, já que temos a necessidade de vender quase 60% da nossa produção para outros estados, principalmente São Paulo.
Scot Consultoria/Destaque Rural: Qual o cenário do Rio Grande do Sul frente a relação de troca para o produtor, na visão da Embrapa?
Glauco Carvalho: De fato, começamos o ano com pouco leite. Ao longo de 2020, nós tivemos uma forte alta nos custos de produção e, ao longo de 2021, esses custos continuaram subindo. Só para se ter uma ideia tivemos uma alta de custo de 10%, em média, em 2020, depois, 33% em 2021 e mais 14% agora em 2022 – de acordo com o indicador do ICPD (nível de custo que acompanhamos aqui na Embrapa).
O reflexo foi uma rentabilidade muito ruim nas fazendas no final de 2021 e início de 2022, isso empurrou a produção leiteira ladeira abaixo. Com o início do ano pouco ofertado e a baixa importação, houve um aumento muito forte de preços ao longo da cadeia produtiva – subiu o preço para o produtor e para as indústrias e, obviamente, subiu para o consumidor. Foi uma alta muito acentuada e rápida, o que deixou o consumidor retraído, diminuindo o consumo.
Já no segundo semestre tivemos um período de safra na região (Minas Gerais, Sudeste, Centro-Oeste) a partir de agosto, que deverá continuar até janeiro. O período de safra coincidiu com um maior volume de importação – chegamos a importar cerca de 10% da produção formal em setembro. Outubro também teve volumes fortes e agora em novembro e dezembro houve um recuo.
É importante lembrar que o primeiro semestre é quando a safra começa a subir e vai normalizando a oferta, mas nós ainda estamos com consumo relativamente reprimido, apesar dos indicadores econômicos estarem melhorando.
Scot Consultoria/Destaque Rural: Diante dessa questão de desistência e êxodo de alguns produtores da atividade leiteira, podemos acreditar que os grandes produtores a longo prazo compensam a saída dos pequenos em relação ao volume de leite produzido?
Glauco Carvalho: Em parte sim. A questão é que temos uma restrição da cadeia justamente por conta do nosso consumo interno. Sempre que crescemos, temos a dependência do consumo interno que, quando não acompanha esse crescimento, a cadeia de produção tem que regredir. A gente fica sempre em um dilema, não é fácil exportar, pois essa atividade depende ainda de muito trabalho para construir uma produtividade inexistente na média do país.
O mercado de leite é muito específico, o volume de leite transacionado mundialmente é pequeno. Vários países produzem leite – quando olhamos para os grãos, 4 ou 5 países apenas estão entre os produtores que dominam a produção. A relação comercial acaba sendo mais fácil e gera uma condição estrutural, mas a base para tudo isso é de fato a competitividade nos preços.
Sobre os pequenos produtores, existe o diferencial de bonificação por volume entre produtores maiores e menores. Isso acaba gerando um estímulo para o pequeno produtor aumentar sua produção, buscando se tecnificar, ou acaba gerando uma barreira para se manter na atividade.
Até porque as margens em geral do leite são baixas – para conseguir um bom faturamento, é preciso um grande volume.
O fato é que, apesar da gente ver grandes produtores crescendo, os produtores menores ainda representam um volume significativo da produção. A maior dificuldade é manter o pequeno produtor na atividade com um volume de leite pequeno, porque assim não é gerado um faturamento interessante e, consequentemente, não tem sucessão. É muito importante o investimento em tecnologias, a busca por uma gestão e qualificação técnica/gerencial, boas parcerias e, obviamente, buscar uma expansão do negócio para se manter na atividade a longo prazo.
Scot Consultoria/Destaque Rural: Existem outros mecanismos que o produtor pode utilizar para se proteger dessas oscilações de preços no litro do leite?
Glauco Carvalho: A oscilação ocorre de acordo com a volatilidade do mercado. Como mecanismos de gestão de risco, temos por exemplo, realizar um contrato para ter previsibilidade do que irá receber, diminuir a relação de qual é o preço na negociação mensal junto com o laticínio. Mas isso não exclui a volatilidade do preço regida pelo mercado.
O produtor pode realizar parcerias, trabalhar próximo do laticínio ou da cooperativa para qual ele está fornecendo o leite e buscar mecanismos de compras antecipadas de insumos. São formas de trabalhar a gestão de risco e, no caso dos insumos, buscar reduzir custos de produção para torná-lo mais competitivo e melhorar a rentabilidade.
Scot Consultoria/Destaque Rural: Quais as principais demandas e perspectivas para o mercado leiteiro em 2023?
Glauco Carvalho: Este ano apresentou um volume captado de leite baixo ao compararmos com anos anteriores. Tivemos uma queda muito forte na produção e o nosso consumo não reagiu– apesar de vermos dados macroeconômicos melhores e um nível de emprego brasileiro se recuperando desde julho de 2020. O leite é um produto que depende muito de renda: quando a renda cresce, o consumo de leite e derivados se eleva também.
Apesar das perspectivas de aumento de renda, devido ao processo inflacionário que vivenciamos ao longo dos últimos anos, o poder de compra da população foi prejudicado.
Ao olharmos para 2023, ainda nos resta muitas dúvidas. Estamos em um período de transição com a mudança de governo. As indicações dos ministros da fazenda e da economia, principalmente, são escolhas muito importantes. O Brasil está conseguindo atrair muitos investimentos e essa credibilidade vai contribuir para o resultado macro de 2023.
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