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Scot Consultoria

O uso do sebo bovino pela indústria de higiene e limpeza

Entrevista com a executiva da Abisa, Zoé Morés

Terça-feira, 24 de janeiro de 2023 - 18h00
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Formada em Jornalismo e Turismo pela Faculdades Integradas Helio Alonso, atualmente é executiva da Abisa (Associação Brasileira da Industria Saboeira).

Foto: ShutterStock


Scot Consultoria: Para compreendermos melhor a utilização desse coproduto pela indústria de higiene e limpeza, quais produtos demandam maior quantidade de sebo bovino como matéria-prima?

Zoé Morés: É importante destacar que o sebo bovino possui diferentes especificações que são tomadas para cada segmento. O mercado de higiene e limpeza é o segmento que mais valoriza a matéria-prima e por isso é mais exigente nos parâmetros que determinam a acidez, a cor, iodo etc. No volume, o mercado de biodiesel está mais forte no consumo de sebo bovino, porém não é dependente do sebo, sua principal matéria prima é o óleo de soja e com possibilidade de trabalhar com outros óleos vegetais e animais, enquanto o mercado de higiene e limpeza é mais dependente do sebo bovino.

O biodiesel assumiu o protagonismo desde o segundo semestre de 2019, quando mudou o cronograma da mistura mínima, elevando a demanda pelo coproduto e o poder de compra das usinas de biodiesel frente aos demais mercados. Em alguns momentos de baixa utilização de sebo bovino pelas indústrias de biodiesel, geralmente em junho e julho, devido ao clima ou quando há bastante oferta de óleo de soja, o sabão acaba sendo o produto com maior demanda.

Scot Consultoria: Durante os primeiros meses da pandemia de covid-19, produtos de higiene e limpeza foram essenciais e a demanda subiu. A demanda pelos produtos continua em patamares elevados se comparada ao período pré-pandemia?

Zoé Morés: A demanda por sebo bruto nos primeiros meses da pandemia cresceu em até 35% no segundo semestre de 2020 em comparação a 2019 e isso contrastou ainda mais com a baixa oferta de produto no mercado interno devido à queda nos abates. Atualmente, o mercado de higiene e limpeza segue mais equilibrado, mas em um ritmo superior ao período pré-pandemia.

Algumas indústrias de sabão desenvolveram grandes oportunidades de exportação e vêm batendo recordes na venda de sabonetes ao exterior.

Scot Consultoria: A maior procura de sebo para produção de biodiesel está reduzindo a oferta para o setor de higiene e limpeza?

Zoé Morés: Apesar da maioria do volume de sebo bovino processado por estes dois segmentos possuírem diferentes especificações, existe uma grande concorrência na compra de matéria-prima. Mas isolando o fator do preço, o setor de biodiesel acaba levando vantagem por alguns detalhes como apresentar parâmetros mais flexíveis, prazo de pagamento mais curto, processos de homologação mais simples, entre outros motivos.

O setor de higiene e limpeza atende um mercado que exige um rigor muito maior na questão da qualidade e ainda sofre com os prazos na ponta de venda do produto final que chegam a ultrapassar 90 dias. Por isso o setor acaba sendo muito injustiçado ao concorrer de igual na compra da matéria-prima. A estrutura do mercado de higiene e limpeza acaba prejudicando o poder de compra das indústrias para concorrer com o setor do biodiesel.

Scot Consultoria: Considerando que o sebo bovino é um coproduto do abate de bovinos, sabemos que o ciclo pecuário de preços e a oferta de animais para abate têm grande influência na oferta do insumo para o setor de higiene e limpeza. Quais são as estratégias que o setor utiliza para "driblar" os impactos da menor oferta? Existe algum outro produto que possa ser utilizado como alternativa ao sebo bovino?

Zoé Morés: Cada indústria possui sua própria fórmula de lidar com o planejamento das compras de matérias-primas e que são adaptáveis a cada cenário do mercado. Desde a pandemia, em que a oferta e a demanda estavam em direções opostas, vemos as indústrias de sabão atuando de maneira muito mais estratégica. A exigência de conhecimento do mercado e de todas as possíveis tendências é fundamental para a tomada de decisões. Vemos as indústrias de sabão mais unidas após a pandemia, que é a principal prática que incentivamos desde o início de nossa atuação. Vemos este ponto como uma grande vantagem na concorrência com o setor de biodiesel, que ainda não é tão coeso e unido. As parcerias também agregam bastante vantagem no conhecimento do mercado e podem ser fundamentais pela rapidez nas tomadas de decisões. Além disso, as principais indústrias de sabão estão trabalhando com bastante estoque, valorizando fornecedores cativos que respeitam qualidade e pontualidade nas entregas, e aproveitando momentos em que o óleo de soja está em queda diminuindo a necessidade de compra das indústrias de biodiesel.

Scot Consultoria: O setor de aves e suínos possui participação relevante na oferta do insumo dentro do mercado de higiene e limpeza? Qual a principal diferença dentre a graxa suína, a gordura de aves e o sebo bovino em relação ao uso para o setor? 

Zoé Morés: O setor de aves e suínos têm impacto na questão da oferta de gorduras animais no mercado como um todo, mas não há ligação direta para atender a demanda do mercado de higiene e limpeza. Existem alguns testes no desenvolvimento de algumas alternativas e até substituições pontuais, mas, de maneira geral, a especificação não cumpre com os limites dos parâmetros exigidos pelas indústrias de sabão.

Scot Consultoria: Qual a importância do clareamento do sebo bovino para a indústria de higiene e limpeza?

Zoé Morés: O clareamento é um tratamento muito importante para a indústria de higiene e limpeza, pois as gorduras animais contêm grandes quantidades de matérias corantes e impurezas. Há uma rigorosa regulamentação de qualidade dos produtos deste segmento.

Scot Consultoria: Qual a participação da glicerina na produção de sabões e sabonetes? Esse produto pode ser uma alternativa na substituição do sebo bovino?

Zoé Morés: Existem variações de sabonetes em que a glicerina é utilizada como ingrediente na produção. Poderá ser uma alternativa na substituição do sebo bovino, mas não seria o mesmo processo, a substituição seria em relação à linha de sabonetes e não de sabões.

Scot Consultoria: Quais as perspectivas de vocês para o setor de higiene e limpeza em 2023? Como a possibilidade de alteração do B10 para o B15 pode influenciar o setor, na visão de vocês?

Zoé Morés: O setor de higiene começa o ano muito bem-preparado, mais estratégico, com mais fornecedores homologados – tanto do mercado interno quanto do mercado externo. Entretanto, a perspectiva é de um mercado mais desafiador, embora haja otimismo de uma oferta maior de gordura bovina neste ano.

A expectativa de safra recorde de soja pode ocasionar em uma maior oferta de óleo, a alteração do B10 para o B15 certamente acirrará a concorrência na compra de sebo bovino e poderá aumentar o preço das matérias-primas. Em 2022, tivemos mais de 2 milhões de toneladas de óleo de soja exportadas e mais de 50 mil toneladas de sebo bovino que também embarcaram para o mercado externo – com esse volume já seria possível sustentar um acréscimo de 3% na mistura do ano passado. Acreditamos que o ponto de atenção é a falta de paridade na estrutura de mercado entre o setor de biodiesel e sabão, que acaba favorecendo muito mais o poder de compra das usinas de biodiesel.


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