Alcides Torres é engenheiro agrônomo, formado pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” - ESALQ, da Universidade de São Paulo, é diretor-fundador da Scot Consultoria, analista e consultor de mercado com atuação nas áreas de pecuária de corte, leite, grãos e insumos agropecuários. É palestrante, facilitador e moderador de eventos conectados ao agronegócio. Membro de Conselho Consultivo de empresas do setor e coordenador das ações gerais da Scot Consultoria.
Idean Alves é Assessor de Investimentos na AçãoBrasil Investimentos, escritório credenciado a XP Investimentos, sócio e Chefe da Mesa de Operações de Renda Variável da Ação Brasil Investimentos e representante Geral do Núcleo Belém da Fundação Estudar.
Foto: Bela Magrela
Scot Consultoria/Destaque Rural: O mercado está volátil por conta da suspensão da exportação de carne bovina à China, em decorrer da confirmação de um caso do mal da “vaca louca”, a encefalopatia espongiforme bovina (EEB). Por que a doença é tão preocupante e deixa o setor em alerta?
Alcides Torres: Qualquer zoonose é preocupante, por esse motivo, o sistema sanitário mundial tem grande preocupação com doenças transmissíveis por animais. No caso do Brasil, os laboratórios já informam que o caso é atípico, porém foi necessário realizar uma contraprova em um laboratório credenciado pela Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA), portanto, é necessário aguardar o resultado oficial (o resultado foi divulgado em 2 de março de 2023 e o caso foi confirmado atípico). A doença preocupa porque, se o ser humano ingerir a carne do animal que se alimentou de ração contaminada, a doença se desenvolve em seu organismo. A EEB, é uma doença grave e degenerativa, causada pela presença da proteína príon, tanto para bovinos quanto para seres humanos, se for transmitida através do consumo de alimentos de origem animal contaminados. Porém, nos casos atípicos, o que ocorre em bovinos, a doença é uma condição natural desenvolvida em bovinos de idade avançada.
Scot Consultoria/Destaque Rural: Após o diagnóstico do animal com a EEB, entrou em vigor o protocolo que impediu a exportação de carne bovina para a China. Como essa situação afetou o mercado, logo de início e como o mercado irá ficar?
Alcides Torres: Somente uma ressalva, mas no Brasil é proibido alimentar bovinos com rações que tenham ingredientes de origem animal como a farinha de carne e ossos, farinha de sangue, cama de aviário etc. Tanto que a classificação do Brasil, com relação ao risco pra EEB, é insignificante. Qualquer pecuarista utilizando resíduos animais na alimentação de bovinos é fortemente penalizado.
O que aconteceu com o mercado, foi com relação ao protocolo que temos com os chineses, que foi estabelecido depois do que ocorreu na Europa, então a China só aceita bovinos de até 30 meses de idade, já que a doença em sua forma atípica, somente se manifesta em bovinos de idade avançada. Então, o protocolo determina que as exportação seja suspensas imediatamente, que um comunicado oficial seja feito, que o despojo desse animal seja coletado e enviado para laboratório para que uma análise seja realizada para ver se a doença é clássica (quando é contraída através de ração contaminada) ou atípica (condição natural de bovinos com mais idade) e a OMSA deve ser alertada. O Brasil cumpre o trato, porém a China não tem prazo para voltar a importar. Em 2019, o retorno ocorreu em 13 dias e, em 2021, em 4 meses. Agora seguimos aguardando.
Scot Consultoria/Destaque Rural: Sabemos que o Brasil é um grande exportador de carne bovina e o mercado chinês é um dos principais mercados importadores. Como a confirmação desse caso vem afetando as grandes empresas exportadoras brasileiras?
Idean Alves: O volume de carne exportado para a China, representa 60% do volume total exportado, número expressivo. Lá, o mercado é muito associado ao passado, principalmente quanto aos investidores, então é difícil prever quanto disso vai ser afetado. Mas, boa parte das empresas brasileiras, principalmente as listadas em bolsa, como Marfrig, Minerva, JBS, BRF, são globalizadas, possuindo plantas na Argentina e no Uruguai, então muitas delas direcionaram a demanda que seria do Brasil, a esses países, ainda que haja uma perda momentânea na exportação brasileira, essas empresas, na prática, não foram tão afetadas quanto outras. Como citado pelo Alcides, o mercado penaliza e devemos sempre esperar o pior cenário possível. Qualquer problema causa um ajuste de rotas para as empresas e a perda de receita, a curto prazo. Como foi confirmado um caso atípico, o que se espera é que haja uma conversa entre governos. O prejuízo estimado, caso a exportação esteja cancelada até abril, é de R$500 milhões. Porém, acredita-se que as empresas consigam se recuperar já que o esperado é que ela volte em breve. O mercado penaliza antes, para depois precificar.
Scot Consultoria/Destaque Rural: Essa situação que estamos presenciando, acaba fazendo com que ocorra uma sobra de carne no mercado, pressionando o preço da carne?
Alcides Torres: O que temos visto é que o preço da carne já caiu para o pecuarista e para o atacadista, porém não caiu no varejo. É por isso que essas políticas de supressão da exportação resultam em nada, porque o consumidor é quem acaba sendo prejudicado. Então, se o preço tivesse caído para o consumidor final, poderíamos vir a ter um estímulo de consumo por conta dessa situação.
Scot Consultoria/Destaque Rural: Nesse sentido, vemos outro problema sanitário, que é a gripe aviária, na Argentina e no Uruguai, deixando o setor pecuário ainda mais apavorado. Então como ficam as ações das empresas? Sofrem muita queda?
Idean Alves: Sim, há uma pressão, principalmente durante aquele pânico inicial, no qual só se sabe que há um caso confirmado e que representa um potencial embargo. As ações caíram muito quando houve a suspeita, porém, já se recuperaram. Claro que algumas não tão rápido, como Marfrig e Minerva, porém à medida que o problema for resolvido, as ações devem voltar aos patamares esperados.
Scot Consultoria/Destaque Rural: Conforme comentado, o Brasil possui vários protocolos internos que protegem os animais da chegada dessas doenças, tanto que não tivemos nenhum caso de gripe aviária ainda e somente casos atípicos de “vaca louca”, isso pode valorizar o mercado a longo prazo?
Alcides Torres: Pensando num país como o Brasil, com mais de 200 milhões de cabeças de bovinos, encontramos um boi mais velho no interior do Pará. Então, apesar de todas as dificuldades encontradas pelo serviço de sanidade animal do Brasil, ele tem funcionado bem, já que o país se adianta e informa, o que gera um sentimento de segurança nos países importadores da carne brasileira. O esperado era de que as exportações caíssem na última quinzena de fevereiro, porque o último dia de mercado “normal” foi no dia 17, sexta-feira de carnaval, porém a exportação foi bem, indo contra as expectativas.
Idean Alves: Um ponto a ser complementado, é com relação ao preço, que não chega ao consumidor final local, porque essa carne acaba indo para outros mercados, não necessita somente ser escoada no mercado nacional e nosso preço marginal não reduz.
Scot Consultoria/Destaque Rural: Esses casos não impedem exportações para outros destinos?
Alcides Torres: Com relação aos outros países, a Rússia anunciou que suspenderia as importações do Brasil. Porém o que eles importam do Brasil, gira em torno de 1 a 1,5%. Já foi muito importante, mas não é mais. Em 2021, mais países suspenderam a exportação.
Scot Consultoria/Destaque Rural: Então as expectativas para o final do ano não são de grandes reduções na quantidade de carne exportada?
Alcides Torres: A nossa expectativa é de recorde de exportação esse ano, janeiro foi recorde, em relação a seus pares, então imaginamos que venha um bom ano, mesmo porque estamos em um ciclo de baixa de preços, enquanto nos Estados Unidos, outro grande fornecedor dos chineses, estão em um ciclo contrário, de alta de preços, portanto ainda temos um cenário otimista.
Scot Consultoria/Destaque Rural: Sobre os custos de produção da carne, os casos clássicos vêm de rações contaminadas, como ficam os preços disso? Pode haver um aumento no preço da alimentação a longo prazo?
Alcides Torres: A pecuária brasileira é fundamentada em pastagem de capins africanos melhorados, com a suplementação baseada em componentes minerais ou vegetais, jamais de origem animal para ruminantes. Então não existe esse problema de qualidade na alimentação bovina, como há na indústria de ração para pets. Porém, o custo de produção já subiu, já que preço da @ diminuiu, chegando a R$250/cabeça no auge da baixa do ciclo pecuário, então a margem do pecuarista está reduzida. Agora é a hora do invernista e recriador.
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