Paulo César F. Carvalho é doutor em zootecnia pela UNESP de Jaboticabal, possui pós-doutorado no Dept. of Plant and Environmental Sciences da Universidade da Califórnia. Atualmente é professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), atuando no departamento de plantas forrageiras e agrometeorologia. É membro do comitê gestor estadual do programa de agricultura de baixo carbono, atual presidente da Sociedade Brasileira de Sistemas Integrados de Produção Agropecuária, além de diretor da aliança SIPA (Sistemas Integrados de Produção Agropecuária) e vice-presidente da Asociación Latino-Americana de Producción Animal (ALPA).
Scot Consultoria: Qual a razão do crescente interesse no tema referente a adubação de sistema?
Paulo César de Faccio Carvalho: Desde a revolução verde, a crescente produção de alimentos tem sido fundamentada em crescente aporte de insumos, notadamente os fertilizantes. A título de exemplo, desde 1960 a produção de grãos em nível global aumentou em três vezes, enquanto o aporte de nitrogênio (N) incrementou oito vezes. A fertilização é um componente caro dos custos de produção, e seu uso eficiente é determinante na rentabilidade das lavouras. O mau uso dos fertilizantes não é somente um problema econômico, mas também ambiental, pois parte do alegado impacto da agricultura no ambiente tem origem no mau manejo dos nutrientes. Por exemplo, do total de N aplicado em nível global, 70% não é absorvido pelas culturas e se torna poluição ambiental. Nesse contexto, tecnologias que otimizem a quantidade de alimento produzida por unidade de nutriente aplicado em sistemas circulares são recentemente reconhecidas como de elevado interesse. É onde se destaca os Sistemas Integrados de Produção Agropecuária que utilizem a adubação de sistema, explorando o potencial reciclador de nutrientes envolvido em tal operação.
Scot Consultoria: Na adubação tradicional, a recomendação é de que seja realizada de forma isolada, tendo em vista somente as necessidades da cultura que será implantada. Em uma adubação de sistemas, em que os fertilizantes não são destinados para uma única cultura, como é realizado o planejamento da adubação nesse caso?
Paulo César de Faccio Carvalho: É sempre fundamental que se compreenda bem as rotações de cultivos em questão (gramíneas, leguminosas, produção para grãos, silagem etc.), suas demandas em fertilização e o quanto de nutrientes é exportado na produção, assim como o quanto de nutrientes é transferido entre as rotações. Para simplificar, vejamos uma rotação simples entre um cultivo de soja em rotação com um pasto. Vamos assumir que o solo já vem sendo cultivado há tempos, tendo sido corrigido e com bom nível de fertilidade. Para um “sistema soja/pasto”, a maior demanda de fósforo (P) e potássio (K) é ditada pela soja. A de nitrogênio (N) é pelo pasto. Essas demandas podem ser consultadas em boletins de recomendação de adubação convencionais para cada cultura. Mas em se tratando de um sistema que se caracteriza pela forte extração de nutrientes pela colheita de grãos da soja, e pela alta reciclagem de nutrientes da fase pastagem, a adubação de sistema, neste caso, posicionaria a soma das adubações individuais em um único momento, qual seja, no plantio e estabelecimento do pasto. Consequentemente, no momento do plantio da soja não haveria adubação, pois ela foi feita de forma anterior, e será transferida pelo fato dos animais em pastejo não extraírem nutrientes do sistema.
Scot Consultoria: Quais são as condições necessárias para se pensar em iniciar a adubação de sistemas?
Paulo César de Faccio Carvalho: A principal condição é partir de um solo já corrigido em acidez e fertilidade. Não é uma técnica a ser empregada em solos cuja fertilidade ainda esteja sendo construída. Além disso, também é fundamental ter o conhecimento das características dos cultivos em sucessão no que se refere à exportação e ciclagem de nutrientes, pois o princípio básico da adubação de nutrientes é repor nutrientes da “poupança do solo” sempre que houver retiradas expressivas, como por exemplo, em colheitas de grãos ou de silagem.
Scot Consultoria: Quais os principais resultados dessa tecnologia?
Paulo César de Faccio Carvalho: Os principais resultados são a contínua melhoria da saúde do solo, percebido por incrementos de matéria orgânica, aumento da biomassa e da diversidade microbiana, que em última análise resultam em aumentos de produtividade e reduções do montante total de fertilizante necessário a médio e longo prazo.
Scot Consultoria: Existem experiências deste tipo em nível de fazenda?
Paulo César de Faccio Carvalho: Este é um tema polêmico. São raros os técnicos consultores e produtores que estejam usando este conceito na prática. De todo modo, a ciência também ainda está nos primórdios dos estudos desta tecnologia, mas já existem várias propriedades utilizando este conceito de adubação, principalmente aquelas que integram cultivos de grãos com gado. Propriedades com plantio direto e construção de fertilidade de vários anos. Ganhos operacionais interessantes têm sido relatados pelos produtores, pois a operação de plantio passa a ser muito mais ágil pelo fato de o adubo ter sido reposicionado na fase pastagem. Indiretamente isto afeta a estrutura de maquinário necessária e/ou o tempo total na operação de plantio. Outro ganho interessante é o do momento da compra do fertilizante, que é deslocado daqueles meses em que todos estão comprando adubo para suas lavouras de verão, fato este que torna o adubo mais barato, tendo sido relatado valores 15% inferiores aos momentos de pico de compras.
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