Cristiano Magalhães Pariz é zootecnista, pós-doutor em Zootecnia, proprietário da Pariz Consultoria Agropecuária Botucatu/SP e responsável técnico da 4AGRO Nutrição Animal Botucatu/SP.
Scot Consultoria: Cristiano, já são bem conhecidas as vantagens em sistemas de integração lavoura-pecuária em todo o Brasil. Mas quais são os custos, ganhos financeiros e operacionais em sistemas de ILP?
Cristiano Pariz: A ILP é uma ferramenta importante para intensificar a produção pecuária a pasto no Brasil, com reflexo no aumento da taxa de lotação animal por hectare, aumento do ganho de peso individual e aumento da produtividade de @/hectare/ano, redução do tempo para o abate dos animais e melhoria do desempenho econômico na pecuária de corte.
Porém, o nível de produtividade de animais em pastagens depende do tipo e qualidade da pastagem, que podem variar em função da fertilidade do solo, clima e manejo. Segundo a Scot Consultoria, 57,3% das pastagens no Brasil (104,50 milhões de hectares) encontram-se em algum grau de degradação, o que torna difícil uma produção eficiente para atender os principais e mais exigentes mercados consumidores de carne bovina do Brasil e do mundo.
Esses mercados exigem animais precoces (entre 24 e 30 meses), com peso de carcaça entre 19 e 23@ e acabamento adequado de carcaça. Em função disso, a busca pela intensificação e encurtamento do ciclo de produção, através de técnicas como a de confinamento, está trazendo muita maciez à carne bovina, que, segundo os consumidores, está perdendo o sabor genuinamente brasileiro. Nesse contexto, consideramos que o pasto é o “melhor tempero” para se produzir uma carne de alta qualidade, além de trazer benefícios econômicos ao processo produtivo, visto que o custo do quilo ganho em pastagem é menor do que em confinamento e o pasto proporciona sabor à carne bovina. Portanto, a produção intensiva em pasto, principalmente na fase de recria e na posterior terminação em semiconfinamento ou confinamento, é o caminho para essa carne de alta qualidade com maciez e sabor.
Além disso, os resíduos agrícolas das lavouras podem ser utilizados como fonte de alimento, reduzindo os custos com a alimentação e melhorando a qualidade nutricional da dieta.
Em sistemas de ILP é possível encurtar consideravelmente o período de recria em que, após 12 meses, um bezerro desmamado aos 7-8 meses de idade com 180 kg PV atingirá cerca de 420 kg PV, sendo um boi magro pronto para ser terminado em confinamento, semiconfinamento ou terminação intensiva a pasto (TIP) e abatido até os 24 meses de idade. Em alguns casos, quando atingimos ganhos individuais de 800 a 1.000 g/dia, o ciclo dessa recria é até encurtado para 8 a 10 meses. Em outros casos, em que os animais para recria são adquiridos já com 12-15 meses, estender a recria até 18 meses é possível, já que a meta é abater esse animal até 30 meses. Comparado à média geral da pecuária brasileira, os indicadores zootécnicos e econômicos desses sistemas são consideravelmente maiores, ainda mais quando associados à TIP.
Scot Consultoria: A ILP vem sendo desenvolvida em diversos sistemas de produção animal, como na bovinocultura de corte e de leite. Do ponto de vista da performance e bem-estar animal, o que ela traz de benefícios?
Cristiano Pariz: Com relação aos custos de produção, trabalhamos bastante na pecuária com a ideia de custo da @ produzida. Nas fazendas que adotam a ILP e possuem os melhores índices técnicos/econômicos, independentemente da oscilação do valor da @ no mercado pecuário, os resultados obtidos são positivos. Atualmente, o custo da @ produzida na recria suplementada está ao redor de R$120,00 e, na TIP, ao redor de R$165,00, já considerando o custo de oportunidade dos resíduos agrícolas utilizados na suplementação dos animais.
Já com relação aos ganhos financeiros, variam bastante em função do ano, principalmente por conta da oscilação dos preços dos insumos e dos preços de compra e venda dos animais. Porém, o resultado financeiro da pecuária tem sido sempre positivo. Nessa avaliação, trabalhamos bastante com a ideia de lucro em R$/hectare, visando sempre uma comparação com as atividades agrícolas predominantes em cada região. De forma geral, no chamado “boi safrinha” que é mantido nas áreas de ILP entre maio e setembro, cujo capim é sobressemeado ou semeado após o cultivo de soja no verão, o lucro/ha nos últimos anos foi muito similar e, às vezes, até maior que as melhores áreas de milho 2ª safra. Isso tem se mostrado bastante vantajoso, proporcionando uma maior diversificação de atividades na fazenda e, mesmo que se iguale o lucro/ha, o risco climático na pecuária é bem menor que na agricultura, principalmente em relação ao milho 2ª safra nos últimos quatro anos.
Após a implementação, a ILP proporciona um ganho operacional bastante interessante, otimizando a mão-de-obra nas fazendas ao longo de todo o ano. Nas fazendas de pecuária que acompanho, o vaqueiro precisa aprender a trabalhar com trator e máquinas agrícolas, enquanto nas fazendas de agricultura isso é ainda mais interessante, pois o tratorista precisa aprender a mexer com o gado e, em épocas de entressafra, podem ser direcionados para atividades da pecuária como fabricação de ração, manutenção de curral, cercas, cochos, bebedouros etc. Isso otimiza o aproveitamento dos colaboradores na fazenda e dilui o custo da mão-de-obra entre as duas atividades.
Scot Consultoria: E quantos aos ganhos na produtividade das lavouras, o que a integração com a pecuária incrementa em produtividade por área? E do ponto de vista da sustentabilidade?
Cristiano Pariz: Dentro do atual conceito de sustentabilidade, envolvendo a agropecuária de processos e a agropecuária de insumos, a ILP melhora as características químicas, físicas e biológicas do solo, refletindo em aumento da eficiência no uso dos nutrientes em produzir alimentos por unidade de nutriente ou insumo circulante, maiores taxas de acúmulo de C e N no solo, melhoria da qualidade da matéria orgânica e mitigação de gases do efeito estufa. Tais propriedades, além de melhorarem a produtividade vegetal e animal, também aumentam a estabilidade produtiva ao longo dos anos, a previsão confiável de produtividade, a resiliência e a adaptabilidade produtiva, como observado em fazendas que adotam a ILP. E por fim, todos estes benefícios resultam em melhores indicadores biofísicos (animal, vegetal, resíduo, solo e diversidade), econômicos (gestão, risco, lucro e mercado), culturais (tradição, conhecimento, capacitação e atitude), sociais (segurança alimentar, equidade, otimização do trabalho e bem-estar) e ambientais (recursos naturais, adaptação e mitigação).
Com relação aos ganhos produtivos na agricultura, temos verificado, na 1ª safra após o pastejo, um aumento de 3 a 5 sacas/ha em produtividade da soja em áreas de capim-ruziziensis, que ficaram apenas durante o período de maio a setembro, e ganhos de até 7 a 9 sacas/ha em áreas de brachiarias dos cultivares Piatã, Xaraés e Marandu, durante 15 a 18 meses. Entretanto, para a obtenção desses resultados é importante o bom planejamento da rotação de culturas agrícolas e forrageiras na ILP.
As pastagens também proporcionam melhor ciclagem de nutrientes, o que reduz os fluxos de perda para a atmosfera e para a hidrosfera, além de incrementar a biodiversidade vegetal, animal e microbiana, que participam na dinâmica da matéria orgânica e melhoria da qualidade do solo. Isso acontece pois a ILP acumula mais carbono e nitrogênio quando comparada a sistemas onde a mesma cobertura vegetal não recebe pastejo, visto que ela estimula a dinâmica de crescimento radicular das plantas forrageiras associado a um maior acúmulo de raízes ao longo do perfil do solo.
Scot Consultoria: A ILP permite produzir e lucrar mais, realizando diversas atividades sobre uma mesma área. Nesse aspecto, quais são os principais desafios gerenciais na implementação e manutenção dessas áreas?
Cristiano Pariz: Por se tratar de sistemas biológicos, com grande influência de fatores climáticos, a pecuária e a agricultura conduzidas de forma exclusiva, já são atividades complexas. A partir do momento em que integramos essas atividades, há uma complexidade técnica e gerencial ainda maior.
Nesse aspecto, nos deparamos muito com produtores que obtiveram informações breves e superficiais e, a partir disso, decidem implementar a ILP sem assistência técnica especializada e experiente em suas propriedades, fazendo isso sem a elaboração de um projeto para o planejamento das atividades em uma escala de espaço e tempo.
Além da técnica a campo, os produtores precisam entender sobre o mercado agropecuário, como aspectos inerentes à compra de insumos e comercialização do que é produzido e sobre o mercado de trabalho na região, uma vez que é necessário preparo e adaptação de mão-de-obra ao longo dos anos. Para o agricultor, o principal desafio a curto prazo é o fluxo de caixa, na aquisição de animais, uma vez que isso pode representar uma imobilização importante de recursos, sendo recomendada a condução gradual e planejada dessas atividades.
Outro desafio enfrentado é retornar com a agricultura depois de alguns anos em uma área de pastagem degradada, que foi recuperada com lavoura, visto que normalmente ocorre um aumento da lotação animal na fazenda e a destinação da área novamente para a agricultura, exigindo um bom planejamento da compra e venda dos animais ao longo do período produtivo. Além disso, o pecuarista leva muito em consideração o aprendizado que já teve na questão das oscilações anuais dos preços dos insumos e as dificuldades enfrentadas com maquinários próprios ou terceirizados, bem como os maiores riscos climáticos enfrentados pela agricultura.
Porém, de forma geral, as propriedades que trabalham com ILP no Brasil se tornam mais aptas e receptivas ao uso de novas tecnologias, visto que possuem melhor gerenciamento financeiro e da mão-de-obra, maior conhecimento do mercado de insumos e comercialização dos produtos (vegetais e animais) e, principalmente, maior domínio da tecnologia.
Scot Consultoria: Cristiano, para finalizarmos a conversa, como você enxerga o futuro da tecnologia no Brasil, quanto à expansão, desafios e oportunidades?
Cristiano Pariz: Apesar de o Brasil deter o maior rebanho comercial e ser o maior exportador de carne bovina do mundo, ainda tem grande potencial de expansão. A maior parte da produção de bovinos no Brasil é a pasto, com isso, o manejo correto das plantas forrageiras se torna fundamental, uma vez que é a fonte alimentar mais econômica no sistema produtivo. Entretanto, há cerca de 100 milhões de hectares de pastagem de baixa produtividade no Brasil, que apresentam algum grau de degradação. E grande parte dessas áreas possuem solos arenosos, que possuem um manejo agrícola mais complexo, já que é mais difícil de se incrementar matéria orgânica, o que se torna um grande desafio. Portanto, é necessário o estudo científico e o desenvolvimento de tecnologias para melhoria dessas áreas arenosas e de baixo índice hídrico, pois essas condições edafoclimáticas desafiam a adoção e expansão da ILP nessas áreas. Diante disso, do nosso ponto de vista, é necessário fazer uma recuperação química/física/biológica do solo e da pastagem degradada, para depois implantar a agricultura. Caso contrário, o risco de fracasso com a agricultura nos primeiros anos é iminente.
A combinação de processos e insumos é uma forma fundamental de intensificação ecológica necessária para alcançar a segurança alimentar e alavancar a sustentabilidade econômica, social e ambiental do setor agropecuário brasileiro. A ILP pode ser considerada "a nova revolução verde dos trópicos" com base no conceito e estímulo da bioeconomia, emergindo como uma solução para reverter as degradações ambientais causadas pelas extensas áreas com monoculturas, principalmente de pastagens no Brasil nos últimos 50 anos, se tornando uma grande oportunidade de mostrar para o mundo os benefícios da nossa ILP verde e amarela, associada à bioeconomia e como uma potencial tecnologia de mitigação do aquecimento global, além da conservação da biodiversidade e preservação ambiental, promovendo o exercício do conceito de saúde única.
Receba nossos relatórios diários e gratuitos