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Scot Consultoria

O mercado de genética na pecuária de corte, incrementos produtivos e expectativas para o fim de 2024

Entrevista com a gerente de mercado corte da GENEX Brasil, Juliana Ferragute Leite

Segunda-feira, 11 de novembro de 2024 - 06h00
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Zootecnista pela Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo (FZEA/USP) de Pirassununga e especialista em Marketing pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FEA/USP).

Foto: Bela Magrela


Scot Consultoria:  Quais são os principais avanços em tecnologias genéticas que têm influenciado o aumento da produtividade na pecuária de corte, e como esses avanços estão sendo implementados na prática? 

Juliana Ferragute Leite: A genômica é uma realidade atualmente. Através de amostras de pelo e análise do DNA é possível identificar o potencial genético de cada animal para características economicamente importantes. A utilização da genômica é mais comum em rebanhos com foco em produzir touros e matrizes, devido ao custo. Atualmente, a genômica pode variar entre R$100,00 a R$180,00 por animal, dependendo da quantidade de animais. A vantagem para rebanhos comerciais é que mesmo sem informações de pedigree, pesos e medidas é possível conhecer geneticamente os animais da propriedade e direcionar a seleção genética. Vale lembrar que rebanhos comerciais que fazem IATF já se beneficiam da genômica quando compram sêmen nas centrais, pois atualmente, todos os touros que estão nas centrais foram selecionados com o auxílio da genômica, trazendo vantagens como maior confiabilidade nas informações de touros jovens.

Outra técnica que vem se popularizando são os embriões. A tecnologia chamada de DT (Direct transfer) crio-preserva os embriões em palhetas iguais às de sêmen, permitindo a conservação por tempo indeterminado e facilidade no transporte. Atualmente, é possível adquirir embriões de animais com alto potencial genético com valores inferiores a R$800,00/embrião. O avanço da tecnologia de produção dos embriões já permite resultados de prenhez com embriões ao redor de 45,0%, tornando muito mais viável o investimento. A aplicabilidade para rebanhos comerciais é diversa como: iniciar um núcleo de seleção, produção de touros próprios, produção de animais cruzados com foco em carne de qualidade garantindo maior padronização através da seleção das vacas superiores, etc.  

Scot Consultoria: De que maneira a utilização de genética de precisão está contribuindo para a eficiência econômica na pecuária de corte, especialmente em relação à redução de custos e ao aumento do rendimento de carcaça?

Juliana Ferragute Leite: Vamos lembrar que a genética é o único insumo da fazenda que passa de geração para geração e é cumulativa por gerações.

Um exemplo fácil de enxergar o efeito da genética é comparar um animal F1 Angus x Nelore com um animal nelore na mesma fazenda, nas mesmas condições. Facilmente o F1 desmama 20,0% mais pesado do que o Nelore. Não é porque o Angus é melhor do que o Nelore, é pelo simples fato de que quando cruzamos animais de raças diferentes aparece o efeito da heterose e da complementaridade. E esse é um efeito puramente genético que trará mais quilos de bezerros desmamados para a propriedade.

Também é possível produzir mais bezerros desmamados sem usar o cruzamento e sem mudar o sistema de produção da fazenda. O simples fato de escolher adequadamente o sêmen dos touros que serão usados na estação pode mudar consideravelmente o resultado. As DEPs (diferença esperada na progênie) nos indicam quais reprodutores têm maior potencial de ganho de peso nas diferentes fases.

Podemos tomar como exemplo a evolução genética da raça Nelore nos últimos 15 anos. Hoje podemos atender às exigências do Boi China (acima de 20@ com até 30 meses) com a raça Nelore, sem precisar fazer cruzamento e fazendo pequenos ajustes de nutrição.

Outra evolução genética que tem impactado muito a produtividade das fazendas é a precocidade sexual das novilhas. A base materna brasileira é a vaca nelore ou anelorada, conhecida por ser uma vaca tardia onde, no passado, uma boa vaca produzia o primeiro bezerro com 40 meses de idade. Hoje o normal é produzir um bezerro com até 30 meses de idade e está cada vez mais crescente é possível produzir o primeiro bezerro com até 24 meses. Uma novilha que vai parir um bezerro aos 24 meses, também vai deixar um bezerro a mais na vida dela dentro da propriedade.

E por fim, o impacto das características de carcaça como área e olho de lombo e acabamento.            O contrafilé é o maior corte nobre da carcaça e é medido no animal vivo através do ultrassom, que chamamos de área de olho de lombo (AOL). A AOL está relacionada com o rendimento da carcaça e como o pecuarista recebe no frigorífico por rendimento, é obrigatório olhar para a composição da carcaça e não apenas para o peso. Vamos fazer uma análise simples usando o programa PMGZ como referência. No momento da compra do sêmen do touro você teria as opções do touro A com DEP AOL de 1,8 cm2 (Deca 1) e o touro B com DEP AOL 0,2 cm2 (Deca 5). A simples escolha do touro poderia trazer um incremento médio de 1,6 cm2 de contrafilé. Estudos mostram a direta correlação da AOL com o aumento da porção comestível da carcaça. 

Esses são apenas alguns exemplos de como a genética impacta na produtividade das fazendas. Muita mais está vindo por aí, como a seleção para eficiência alimentar, resistência a ectoparasitas e etc.   

Scot Consultoria: Como as tendências de consumo de carne bovina e a demanda por produtos de alta qualidade estão moldando as estratégias de melhoramento genético na pecuária de corte até 2024? 

Juliana Ferragute Leite: O mercado interno para a carne de qualidade explodiu nos últimos 10 anos. O consumidor brasileiro passou a entender sobre as diferentes marcas de carne, os diferentes cortes, as raças, valorizar cortes do dianteiro para churrasco e isso foi possível com uma combinação de fatores: genética, nutrição, premiação ao produtor e comunicação com o consumidor. A carne de qualidade brasileira também nos permitiu abrir novas portas no mercado internacional, que anteriormente pensava no Brasil apenas como um fornecedor de commodities.

Quando falamos em carne de qualidade, a maneira mais rápida é o cruzamento com Angus. No entanto, temos que lembrar que 50% do bezerro vem da mãe, por isso a seleção da matriz para melhores características de carcaça faz uma grande diferença no resultado final. Atualmente, é possível achar indivíduos da raça Nelore entregando altos níveis de marmoreio, algo quase impensado para uma raça zebuína a alguns anos atrás.

A notícia boa é que a genética permite seleção para tudo que o mercado precisar. A notícia ruim é que em bovinos a evolução genética é demorada devido ao intervalo de gerações, por tanto temos que pensar a frente do mercado para ter o produto certo na hora certa.

O uso de genética superior também permite ser sustentável nos três pilares: econômico, social e ambiental. A evolução genética dos rebanhos reduz o ciclo produtivo permitindo maior produção de alimentos numa mesma área, garantindo a preservação ambiental, o fornecimento de alimento para a população e maior rentabilidade para continuidade do negócio. 

Temos uma grande vantagem na produção de carne perante o restante do mundo. O Brasil consegue produzir a carne de qualidade mais sustentável do mundo, com volume e preços competitivos. Através da evolução genética, das técnicas reprodutivas, cruzamentos, da nutrição de precisão, produzimos carne a PASTO! Além de ser uma carne com mais sabor, ela contribui para a mitigação de gases do efeito estufa. Por mais que decretos internacionais queiram nos parar, a carne brasileira evolui a cada dia e chega mais longe alimentando pessoas pelo mundo. 

Scot Consultoria: Quais são os principais desafios enfrentados pelos produtores na adoção de tecnologias genéticas, e como esses desafios podem ser superados para melhorar a produtividade na pecuária de corte? 

Juliana Ferragute Leite: Para alguns pecuaristas quando falamos em genética vem à mente a imagem de um cientista manipulando animais em laboratório, ou o pensamento “isso é muito caro, não é pra mim”, mas a seleção genética na prática está muito longe disso.

A evolução genética dos rebanhos bovinos se dá por coleta de dados de desempenho e análises estatísticas para identificar os animais superiores na população e poder multiplicar essa genética através da inseminação artificial. Essa genética comprovadamente melhoradora está disponível nas centrais de inseminação através das doses de sêmen. Após a explosão da inseminação artificial em tempo fixo (IATF) no Brasil todos os insumos ganharam escala e se popularizaram. Atualmente, a média de uma dose de sêmen é R$25,00 e um protocolo reprodutivo é R$20,00. O acompanhamento de um veterinário especializado é importante para garantir as boas práticas da técnica. Os valores do veterinário variam dependendo da região do Brasil, mas vamos considerar uma média de R$100,00 por vaca inseminada. Dessa forma podemos falar num custo de R$145,00 por vaca inseminada.

A taxa de prenhez por IATF varia por inúmeros fatores, mas a média “normal” considerada é de 50,0%, ou seja, a cada 100 vacas inseminadas 50 ficariam prenhas na primeira inseminação. Após a primeira inseminação o pecuarista pode colocar touros em monta natural, porém atualmente é cada vez maior o número de propriedades fazendo a segunda inseminação, popularmente chamado de Re-sinc. Seguindo com nossa matemática, se as 50 vacas que não emprenharam forem submetidas a uma nova inseminação, considerando os mesmos 50,0% de média de prenhez, teremos 75 vacas prenhas ao final das duas inseminações e um custo por prenhez de R$290,00.

Para o pecuarista que quer começar a inseminar pela primeira vez, o mais importante é a preparação das estruturas e manejo da fazenda. É necessário um brete de contenção, preferencialmente coberto, um curral de manejo racional para minimizar o estresse das vacas, pois elas passarão mais vezes pelo curral e, principalmente, treinamento para equipe de campo sobre a técnica e como o manejo deles afetará o resultado final.

Todos esses valores serão ínfimos quando a técnica da IATF somada a genética melhoradora começar a entregar bezerro de qualidade e mais valorizado pelo mercado, deixar na fazenda vacas mais férteis e precoces, maior peso de abate e rendimento de carcaça no frigorífico. Enfim, as vantagens são inúmeras. 

Scot Consultoria: Quais são as previsões para o mercado de genética na pecuária de corte até o fim de 2024, considerando fatores como mudanças climáticas, sustentabilidade e regulamentações governamentais? 

Juliana Ferragute Leite: O mercado de sêmen acompanha o ciclo pecuário, por isso retraiu em 2022 e 2023 e até setembro de 2024 segue em retração, porém mostrando sinais de recuperação. A decisão de inseminar ou não, jamais deveria seguir as tendências do mercado do boi ou do bezerro, primeiro porque o custo da reprodução na pecuária de cria representa em torno de 5% da operação. Não é economizando nisso que fará diferença na margem da operação.

Segundo porque genética é algo de longo prazo. O pecuarista que decidiu não inseminar em 2023 vai entregar um bezerro desmamado em 2025 de qualidade inferior. O pecuarista que não inseminou em 2022 vai engordar um boi com menor potencial de ganho de peso e menor eficiência em 2025. Os especialistas de mercado, como a Scot, mostram as tendências de forte recuperação da arroba e do bezerro para 2025. E agora? Não dá para voltar atrás. O bezerro e o boi que você terá é fruto da decisão que você tomou em 2022 e 2023.

Mas a genética que sai da fazenda não é a que preocupa. Preocupa é a qualidade da reposição de novilhas que produzirão os bezerros e bois dos próximos anos. Genética é inegociável!   

Falando de 2024, já estamos vendo atrasos na estação de monta de algumas regiões devido aos extremos de chuvas no sul do país e seca e queimadas no centro norte. Mas o importante é não deixar de produzir bezerro, pois eles valerão muito nos próximos anos. Também estamos presenciando a volta da demanda de animais vivos por navios que diretamente aumenta a demanda por animais F1 Angus x Nelore. Aliás a falta de animais F1 no mercado é real até mesmo para abastecer programas de qualidade e exportação para países específicos. Acreditamos que a venda de sêmen de Angus nos próximos anos deve aumentar, mas o Nelore deve seguir puxando o crescimento devido a necessidade de reposição de fêmeas.  

Scot Consultoria: Como a seleção genética pode auxiliar os pecuaristas a manterem a rentabilidade durante as fases de baixa nos preços da carne, focando em indicadores como ganho médio diário (GMD), peso à desmama e aumento do giro do rebanho? 

Juliana Ferragute: Quaisquer investimentos nutricionais, de pastagens ou reprodutivos que você fará no seu negócio serão em vão se os seus animais não tiverem genética para responder.

Através da avaliação genética tradicional mais a genômica podemos selecionar os animais superiores com mais de 20 características de importância econômica. Vamos classificá-las:

Reprodutivas: a número 1 em importância, pois primeiro o bezerro precisa nascer. Queremos novilhas precoces que vão parir até 30 meses, que vão reemprenhar como primíparas e se tornarão multíparas produtivas entregando um bezerro todos os anos e desmamando próximos a 50% do peso da mãe.

Ganho de peso: queremos bezerros que não nasçam tão pesados, porém ganhem peso rápido dos nascimentos até a fase de terminação.

Carcaça: além de pesados queremos animais que tenham bom desenvolvimento de musculatura e comprimento de carcaça para gerar melhor rendimento de carcaça com cobertura ideal de gordura subcutânea e dependendo do destino, gordura intramuscular ou marmoreio.

Eficiência alimentar: queremos animais eficientes em transformar o que comem em carne.

Os animais que descrevemos acima farão uma pecuária de ciclo curto, produzindo mais carne por hectare em menor tempo, gerando mais renda para o pecuarista tornando ainda melhor a vida de seus colaboradores, atraindo melhores pessoas. Sua produção será mais sustentável devido ao melhor aproveitamento da terra. Seu bezerro ou boi terá qualidade diferenciada perante o mercado independente das fases de alta ou baixa do ciclo pecuário. A indústria receberá animais melhores e consequentemente nós consumidore,s comeremos uma carne melhor. Esse é um ciclo virtuoso do qual a genética é o pilar central.

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