Engenheiro agrônomo pela Universidade Federal de Pelotas e pós-graduando em Gestão de Negócios pela Fundação Dom Cabral. Iniciou sua carreira no Imea em 2016, atuando em diversas áreas como analista da cadeia do algodão, milho e soja e como gerente da área de inteligência de mercado. Atualmente atua como superintendente do Instituto desde outubro de 2021
Foto: Bela Magrela
Scot Consultoria: Como vocês estão enxergando a dinâmica para os mercados de soja e milho na safra 2024/25, considerando a conjuntura climática, a demanda internacional e a perspectiva de produção nos principais países?
Cleiton Gauer: Para responder, vamos dividir em dois momentos. Primeiro, falando da soja: a perspectiva para a safra 2024/25 aponta para uma maior oferta, tanto no mercado internacional quanto no nacional. Nos principais países produtores, como Estados Unidos, Argentina, Paraguai e Brasil, os volumes projetados são robustos, devido às condições climáticas favoráveis até o momento. Nos EUA, por exemplo, a safra praticamente já está definida, com 96,0% da colheita finalizada. O USDA estima uma produção de 121,4 milhões de toneladas, a segunda maior da série histórica. Nos países sul-americanos, a safra ainda está em fase de semeadura e o fator climático segue em aberto, mas até o momento, tudo está dentro do esperado — apesar de um início mais lento por conta do atraso das chuvas no Brasil. No balanço entre oferta e demanda global, o USDA projeta um recorde no superávit de soja, com um excedente de 23,1 milhões de toneladas, marcando uma diferença expressiva entre produção e consumo para essa temporada.
Agora, sobre o milho: a projeção para a safra 2024/25 é uma produção mundial um pouco menor, estimada em 1,2 bilhão de toneladas, influenciada principalmente pela queda na produção dos EUA, que deve alcançar 384,6 milhões de toneladas. Essa redução nos norte-americana reflete a escolha dos produtores de reduzir a área plantada com milho, em parte porque o preço da soja estava mais atrativo. Na demanda global, o consumo doméstico de milho deve crescer 0,2% em relação à safra passada, puxado, sobretudo, pela China, que elevou seu consumo em 1,9% comparado à temporada anterior.
Scot Consultoria: A safra 2023/24 foi marcada pelo “El Niño” e atraso nas chuvas, mas houve uma aceleração no desenvolvimento da safra de soja. A safra 2024/25 está sendo marcada pela atuação “La Niña” e, também, a ocorrência de atraso nas precipitações, principalmente até a primeira quinzena de outubro, como vocês enxergam que esse quadro em 2024 poderá afetar a semeadura do milho safrinha? A perspectiva é de um desenvolvimento para a safra de soja semelhante ao ciclo anterior ou o ritmo de desenvolvimento deverá ficar dentro do normal?
Cleiton Gauer: Na safra de soja 2023/24, a combinação de baixos volumes de chuva, longos períodos secos e temperaturas elevadas levou a uma série de problemas: abandono de áreas, encurtamento do ciclo das plantas e uma redução no potencial produtivo. Para a safra 2024/25, estamos vendo um clima mais neutro, mas com uma leve tendência para “La Niña”, que inicialmente trouxe um atraso nas chuvas, especialmente na região Centro-Oeste do Brasil. Porém, na segunda quinzena de outubro, as chuvas se normalizaram, permitindo que Mato Grosso, o maior produtor de soja do país, semeasse mais de 54,0% da área prevista para a temporada em apenas duas semanas. Esse ritmo acelerado nos trabalhos a campo ajudou a aliviar as preocupações sobre a janela da segunda safra, e o indicador mais recente mostra um avanço para 93,7% da área, que está dois pontos percentuais à frente da média das últimas cinco safras. Atualmente, a expectativa de produção no estado é de 44,0 milhões de toneladas na safra 2024/25, aumento de 12,8% em relação ao ciclo passado, representando a segunda maior produção da série histórica.
Agora, pensando no impacto potencial para a segunda safra de milho, nossas projeções, com base na evolução da semeadura da soja até oito de novembro, indicam que 74,9% das áreas de milho deverão estar dentro da janela considerada “ideal”. Além disso, as estimativas apontam para uma evolução de semeadura parecida com a da safra 2022/23, que teve uma produtividade média de 116,8 sacas por hectare. No entanto, vale lembrar que no ano passado, mesmo com mais de 90,0% das áreas semeadas dentro da janela ideal, o rendimento médio ficou ligeiramente abaixo, em 115,6 sacas/hectare (sc/hc). Já a safra 2020/21, que registrou o menor percentual dentro da janela ideal (54,7%), teve um rendimento médio de 92,6 sacas/hectare (sc/ha). Isso reforça que não é apenas a janela ideal que conta, mas também o volume de chuvas ao longo do ciclo.
Scot Consultoria: Quais as expectativas para a demanda doméstica e internacional para o milho e a soja brasileiros na próxima safra, especialmente em relação à China e ao setor de biocombustíveis? Como vocês enxergam o papel de Mato Grosso nesse cenário?
Cleiton Gauer: Quanto à demanda, as perspectivas das questões geopolíticas entre a China e os Estados Unidos podem oferecer oportunidades para outros países, principalmente para o Brasil, que, em 2018, apresentou um aumento na participação do consumo chinês. Além disso, a China planeja para o próximo ano alguns incentivos para fomentar a economia do país, o que pode impulsionar o consumo de soja. O Mato Grosso desempenha um papel importante no abastecimento de soja, considerando a grande produção, o potencial produtivo e a possibilidade de dobrar sua área sem precisar abrir novas áreas. Segundo a projeção do Imea no Outlook 2034, a área destinada à soja no estado poderá alcançar 16,6 milhões de hectares nos próximos dez anos.
Para o milho na safra 24/25, o Imea projeta que serão consumidos em Mato Grosso 15,9 milhões de toneladas do cereal (1,7% a mais que na safra 23/24), sendo 12,0 milhões de toneladas destinadas ao consumo das usinas de etanol no estado, isso representa um aumento de 2,3% ante a temporada 23/24. Já para o mercado internacional, o Instituto estima que serão enviados ao exterior 25,5 milhões de toneladas de milho no ciclo futuro, 6,2% a menos que na safra 23/24. Vale destacar, que, esses menores envios estão mais atrelados a diminuição na produção estimada para a temporada, do que um recuo na demanda externa. A China foi uma grande consumidora do milho mato-grossense no ano de 2023, mas em 2024, o país diminuiu o ritmo de compra a nível estadual e nacional. Com as divulgações dos pacotes de estímulos da economia chinesa, é aguardado que o país volte a adquirir mais milho nacional. Outro fator que pode estimular ainda mais são os impasses com os Estados Unidos. Mas um ponto de atenção, é que com o aumento do preço do milho, o cereal brasileiro está deixando de ser mais competitivo no mercado internacional.
Scot Consultoria: Quais são os principais desafios logísticos e de armazenamento para a safra de milho e soja, e como esses fatores podem impactar os custos e a competitividade do produto brasileiro no mercado internacional? Quais os principais pontos de relevância que poderiam apresentar ao produtor para buscar melhores resultados financeiros no próximo ciclo, em meio a custos ainda elevados?
Cleiton Gauer: Dispor de um armazém na propriedade permite ao produtor assegurar maior qualidade e reduzir as perdas do produto. Além disso, essa estrutura oferece a flexibilidade de negociar em momentos mais estratégicos os grãos, quando houver real necessidade ou oportunidade, ampliando assim o poder de venda e favorecendo melhores condições de comercialização. No entanto, para produtores com menos de 1.500 hectares de soja e 1.000 hectares de milho, o investimento inicial elevado torna-se inviável, de acordo com estudos do Imea.
Atualmente, Mato Grosso conta com uma capacidade de armazenagem de 50,8 milhões de toneladas de grãos para a safra 24/25, enquanto a estimativa de produção para o período alcança 89,6 milhões de toneladas, o que gera um déficit de 38,7 milhões de toneladas. Esse cenário de insuficiência de armazenagem no estado torna a logística essencial para o escoamento da produção.
Grande parte dos grãos ainda é transportada pelo modelo rodoviário, que, apesar de algumas melhorias recentes, sofre com a falta de manutenção adequada, especialmente durante períodos de chuvas intensas. Aliado a isso, a ausência de uma logística intermodal eficiente, que integre rodovias, ferrovias e hidrovias, representa um grande desafio. A dependência desse modal acaba elevando os custos de transporte, já que o rodoviário é o mais caro entre as opções disponíveis, especialmente para longas distâncias até os portos. Além disso, fatores macroeconômicos devem ser considerados. O dólar, por exemplo, tende a manter-se em alta até o final de 2024, acompanhado por um aumento da taxa Selic. Esse cenário, somado ao preço do diesel em elevação, pressiona os preços do frete, ainda que esses custos estejam abaixo dos valores registrados no mesmo período do ano passado.
Outro ponto de atenção refere-se às hidrovias do Arco Norte, que enfrentaram em 2024 a seca mais severa da história, interrompendo operações em portos como Porto Velho (RO) e Miritituba (PA). Para 2025, a previsão é de uma menor intensidade na seca entre setembro e novembro, mas os produtores que utilizam essas rotas devem planejar o transporte até o mês de setembro para evitar custos adicionais, caso precisem recorrer a rotas alternativas de exportação. Nos portos do Arco Sul, principalmente Santos, o cenário tem sido de superlotação, com filas e atrasos nos embarques devido à alta competitividade com outras commodities, exigindo uma atenção especial para a distribuição dos embarques e otimização do fluxo.
No que se refere aos custos de produção, até setembro de 2024, o Custo Operacional Efetivo (COE) da soja em Mato Grosso para a safra 24/25 ficou estimado em R$5.494,96/ha, o que representa uma redução de 2,5% em relação à safra anterior. Com a diminuição do custo e o aumento do preço futuro da soja, os preços praticados no estado têm coberto o Custo Operacional Efetivo. No entanto, ao comparar com o Custo Total (CT) da temporada, observa-se que, para cobrir esse custo, o produtor de soja precisará negociar a produção a pelo menos R$123,00/saca, preço que ainda está distante da média de R$110,00/saca registrada no último mês.
Para o milho, o COE estimado para a safra 24/25 é de R$4.596,69/ha, o que representa um aumento de 2,6% em comparação à safra anterior. Já o custeio do cereal está em R$3.230,33/ha, com uma queda de 1,6% em relação ao ciclo passado, impulsionada pelo recuo nos custos com defensivos e fertilizantes. Considerando a produtividade média estimada pelo Imea para o próximo ciclo, de 111,7 sacas/hectare (sc/ha), o produtor deverá negociar o cereal a um preço mínimo de R$28,91/saca para cobrir as despesas de custeio e a R$41,14/saca para cobrir o COE. Em outubro de 2024, o preço médio comercializado do milho em Mato Grosso fechou em R$42,62/saca, indicando que o preço futuro já cobre os principais custos da cultura, um cenário diferente da temporada anterior.
Assim, manter-se atento às movimentações do mercado é essencial para aproveitar oportunidades de negociação, sendo fundamental que o produtor controle rigorosamente seus custos para otimizar suas decisões, aproveite as melhores relações de troca. Além disso, a produtividade média da safra também é um pilar importante para sustentar a rentabilidade do produtor.
Com a colaboração de Rodrigo Silva Médico-veterinário formado pela Universidade de São Paulo (USP) e Coordenador de Inteligência de Mercado no Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (IMEA).
Receba nossos relatórios diários e gratuitos