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Scot Consultoria

ECR - “Oportunidades e riscos do Brasil no cenário global do agronegócio”

Entrevista com: Marcos Jank

Quinta-feira, 24 de abril de 2025 - 12h00
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Foto: Bela Magrela


"Marcos Jank foi um dos palestrantes presentes no Encontro de Confinamento e Recriadores da Scot Consultoria. Apresentou uma visão geral dos principais mercados, olhando para produção, consumo, e principalmente, exportações e importações dos países centrais. Jank abordou também o tema da geopolítica e das tarifas do Trump. Além de cobrir também outros países, principalmente mostrando onde existe hoje oferta e demanda de carne no mundo e as perspectivas.

Scot Consultoria: O Brasil, nesse contexto atual, se encaixa como um país com oportunidades ou riscos, na sua visão?

Marcos Jank: Eu acredito que o Brasil tem uma grande oportunidade, inclusive no contexto da guerra comercial, de não ser tão atingido quanto outros países. Principalmente os países da Ásia foram muito afetados - como a China e o próprio Japão, além de países da Europa. Mas acredito que o Brasil tem uma boa chance nessa história. O que o Brasil tem é um potencial de crescimento. Então, se houver bons preços, o produtor brasileiro tem uma agilidade enorme. Não vejo nada parecido no mundo.

As coisas aqui crescem por meio da integração de sistemas. Por exemplo, a agricultura hoje se integra com a pecuária, com o ILP (integração lavoura-pecuária). Há uma demanda chinesa por um boi mais precoce, o que está promovendo uma verdadeira revolução no campo. Temos também toda essa questão do confinamento e o potencial de crescimento nessa área. Ou seja, são várias mudanças acontecendo ao mesmo tempo.

Eu sempre digo: esta é a década da pecuária. Vimos a agricultura crescer muito em outras décadas, mas hoje, a pecuária está muito bem-posicionada no mundo, e há poucos lugares no mundo com as condições que temos. Essa é uma característica do boi: você não cria boi em qualquer lugar para exportação. Pode até criar para o mercado interno, mas, para exportar com competitividade e qualidade, hoje, basicamente só América do Sul, Estados Unidos e Austrália, que estão muito parados, o Leste Europeu também. Ou seja, a América do Sul é a praia para ampliar a produção de carne bovina, e a gente tem de tudo também para ampliar os mercados.

Participante: Comercialmente falando, o Mercosul: sim ou não? Qual é a vantagem comercial para o agronegócio brasileiro em se manter nesse bloco?

Marcos Jank: Olha, o Mercosul foi uma construção dos anos 1990, a década da globalização. Nessa mesma época foi criado o NAFTA, na América do Norte, que agora está sendo questionado pelo Trump com a imposição de tarifas. A União Europeia também se consolidou nessa década. Foi, realmente, a década da globalização.

O Mercosul nunca foi, de fato, uma união aduaneira. Mesmo a tarifa externa comum vive sendo “perfurada”, cheia de exceções - as regras mudam. Agora, a própria Argentina está dizendo que quer negociar diretamente com os Estados Unidos. O Uruguai já disse isso também. Então, eu acho que o Mercosul nunca se consolidou como outros blocos, como o NAFTA ou a União Europeia. A ASEAN, por exemplo, é muito mais sólida em termos de integração.

Acho que somos concorrentes deles — pelo menos no agro, somos. Então, é difícil. Poderíamos negociar diretamente, pelo tamanho que temos, mas o governo insiste em fazer isso via Mercosul. Tenho a impressão de que, se o bloco não der novos passos, os países acabarão buscando outros caminhos — e a Argentina já está dando esse sinal.

Hoje, não vejo grandes vantagens nesse Mercosul que está aí. Creio que seria muito mais benéfico se nos integrássemos com a Ásia. Por exemplo, se pudéssemos ter um acordo com os países da ASEAN, ou um acordo maior com os países árabes, ou até mesmo com a própria China. Algum tipo de acordo com a China seria muito positivo para o agro brasileiro.

Acredito também que essa crise atual pode ser uma oportunidade para o acordo União Europeia-Mercosul sair.

Quanto mais acordos fizermos, quanto mais abertura de mercado conseguirmos, melhor. Porque, por exemplo, o crescimento da carne bovina hoje é puxado pela exportação. Sei que o mercado interno ainda pode crescer. Há brasileiros em situação de insegurança alimentar e que, com aumento de renda, consumiriam mais. Mas o que dá estabilidade para o crescimento é a demanda internacional. Porque somos meio únicos.

Somos o maior exportador do mundo. Temos o maior saldo comercial na carne bovina. Então, precisamos expandir os mercados.

Participante: Ter um grande comprador como a China, que responde por metade das nossas exportações de carne bovina, não é um risco também? E se eles suspenderem as compras, por qualquer razão econômica ou política, como fica o mercado brasileiro da carne bovina? Há espaço para "desovar” esses estoques?

Marcos Jank: Olha, a China não é grande só na carne bovina. É também na suína, no frango, na soja - é enorme. Cerca de 80,0% da soja vai para a China. E mesmo no milho, na celulose... A urbanização chinesa, a transferência de pessoas do campo para a cidade, o crescimento da renda per capita, tudo isso transformou a China num mercado fantástico. Há uma classe média emergente na China que precisa de proteína, papel, grãos e muito mais.

A dependência, de fato, preocupa. Eu sempre brinco que, se a China pegar um resfriado, a gente pega pneumonia - porque o impacto é direto.

A única solução é diversificar países e produtos. Infelizmente, ainda temos um comércio muito concentrado, especialmente na China, que hoje representa 40,0% do nosso mercado de exportação. Precisamos diversificar os destinos, mas também diversificar os produtos.

Por exemplo, nas proteínas: por que somos gigantes na exportação de bovinos, suínos e aves, mas importadores líquidos de peixes e lácteos? A produção de aquicultura cresce bem mais rápido do que a de bovinos, e o Brasil ainda é insignificante na aquicultura globalmente.

Acredito que devemos buscar diversificação - tanto em produtos quanto em mercados.

Clique aqui e assista a entrevista completa no canal do YouTube da Scot Consultoria.

Marcos Jank

Professor sênior de agronegócio no Insper e coordenador do centro Insper Agro Global, é engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, mestre em política agrícola pela Montpellier-França, doutor em administração pela FEA-USP e livre docente pela ESALQ. É membro do “Board of Trustees” do International Food Policy Research Institute (IFPRI) em Washington, Estados Unidos, do Conselho Consultivo Independente da Cargill Global para sustentabilidade, uso da terra e proteção de florestas e membro dos Conselhos da RUMO Logística (CAD) e da COMERC Energia.

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