Depois de uma alta superior a 50% nos preços recebidos pelos produtores e reajustes superiores a 100% no valor pago pelo consumidor no varejo, entre janeiro e agosto deste ano, os preços do leite já sofrem pressão negativa, graças ao aumento da oferta. Mas não se deve esperar a volta aos níveis do ano passado. Segundo especialistas, a mudança de patamar dos preços pagos no mercado internacional pelo leite em pó deverá continuar balizando as cotações no mercado interno.
Nas principais nas bacias leiteiras de São Paulo e Minas Gerais, o preço médio do leite ainda está em torno de R$ 0,80 o litro e os produtores mantêm a oferta mesmo com a estiagem de, no mínimo, dois meses. No entanto, apesar do uso de silagem e concentrado para o gado leiteiro, a oferta de alimento tem limitações. “Não há uma condição favorável à chuva e os animais podem começar a sofrer com a falta de alimento, o que reduzirá a oferta”, alerta Marcelo Barbosa Avelar, vice-presidente da Cooperativa Nacional Agro-Industrial (Coonai).
Mesmo com as condições desfavoráveis do clima, a Cooperativa Agropecuária Ltda de Uberlândia (Calu), uma das maiores do Estado, pretende ampliar o volume captado até o final do ano. “Em setembro a oferta será reduzida por conta da escassez de alimento, mas a captação tende a aumentar até dezembro”, afirma. A entidade já aumentou o volume médio diário de captação em 17,6% este ano, para 200 mil litros/dia e deverá atingir o patamar de 300 mil litros/dia até o final deste ano.
O presidente da Cooperativa, Eduardo Dessimoni revelou que os valores pagos ao produtor, mantém a mesma média desde julho, na faixa de R$0,80, valor que deve permanecer em setembro.
Dessimoni ressalta que dois fatores continuam favoráveis aos produtores este ano. De um lado, os altos preços do leite em pó no exterior, que compensam a defasagem do câmbio no mercado interno. De outro, a queda nas importações, que sempre foram utilizadas pela indústria para reduzir as compras no País e provocar artificialmente uma baixa nos valores pagos ao produtor. “Este ano houve uma dificuldade maior de fazer isso”, diz.
Por conta do incremento da demanda, outra grande central de cooperativas do Estado, a Itambé chegou a pagar um prêmio de R$0,15 por litro para o pecuarista que conseguiu ampliar a produção a partir de maio. Em setembro a empresa ainda vai aumentar os valores pagos para o patamar de R$0,90. A captação entre maio e setembro subiu 20% para um patamar de 3 milhões de litros/dia.
A política de preços da Itambé foi seguida pela Associação Brasileira de Leite Longa Vida (ABLV), que reúne 30 fabricantes do setor, responsáveis por 80% do volume produzido no Brasil. Na semana passada, a entidade revelou que a indústria incentivou o aumento da produção em plena entressafra e obteve resposta dos pecuaristas. Dessa forma, os preços da caixa de longa vida deverão cair em até 0% para o varejo, saindo da faixa de R$2,10 o litro praticado no início do ano para R$1,50/litro. O produto foi considerado um dos vilões para o aumento da pressão inflacionária. Segundo dados do Dieese, o longa vida acumulou alta de 61,1% entre janeiro e agosto deste ano, superando a inflação do período, que foi de 2,72%, conforme o Índice de Custo de Vida (ICV) da entidade.
Estabilidade
De acordo com a analista do setor
Cristiane de Paula Turco, da
Scot Consultoria, o novo levantamento de preços do produto, a ser divulgado pela empresa na próxima semana, deve refletir essa estabilidade no preço ao produtor, apesar de o mercado ainda ter recuos e altas entre agosto e setembro. No levantamento divulgado em agosto, do leite entregue em julho, os laticínios pagaram, em média, R$0,749 litro, segundo a
Scot Consultoria, alta de 58% no ano.
Cristiane afirmou que já foram constatados recuos no varejo, graças à queda no consumo, em especial de leite longa vida e queijo, principais produtos do setor. “As empresas já relatam maiores estoques e um consumo menor”, disse a consultora. Já na região Sul, cujos preços ao produtor chegaram a R$0,80 o litro, os valores estão, em média, a R$0,65 com o aumento na oferta no final da safra leiteira e com a redução na compra por laticínios do Sudeste, de acordo com representantes das empresas.
Dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq-USP) apontam que houve uma alta de 50,84% no preço pago ao produtor nos oito primeiros meses de 2007. A cotação, no mês passado do litro do leite, em valor deflacionado, foi de R$0,7638, na média de sete estados produtores pesquisados, alta de 11,85% em relação a julho.
Para o pesquisador do Cepea, Gustavo Beduschi, o aumento da renda das famílias no último ano ajudou para a elevação dos valores pagos aos produtores este ano. “Da produção total de leite do País, estima-se que 95% fica no mercado interno”, diz o pesquisador. O Brasil deverá produzir 26 bilhões de litros este ano, com um aumento de 4% a 5% em relação ao ano passado.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados na semana passada apontam que o consumo das famílias cresceu 5,7% no segundo trimestre deste ano, ante igual período do ano passado. No primeiro semestre de 2007, o aumento foi de 5,9%. Segundo o IBGE, o crescimento do consumo foi influenciado pelo aumento na massa salarial real e pela expansão do crédito.
Exportações
Aliado ao cenário positivo no mercado interno, a demanda internacional por produtos lácteos subiu consideravelmente este ano, devido à queda de produção, motivada pela forte seca em alguns dos principais países exportadores, principalmente Austrália e Nova Zelândia. Especialistas do setor apontam que os valores pagos no mercado internacional sofreram uma mudança de patamar este ano, influenciado em grande parte pela suspensão dos subsídios aos produtores da União Européia, que historicamente responde por 35% do comércio internacional do produto.
Há quem acredite em uma acomodação, mas nunca aos valores praticados no ano passado. De acordo com o ministério da agricultura o preço médio do leite em pó praticado entre janeiro e agosto deste ano foi 48,2% superior ao praticado no mesmo período do ano passado, de US$3.135/tonelada.
Até agosto, o saldo comercial da balança de lácteos subiu 347,7% para US$23,68 milhões. O primeiro saldo positivo na balança comercial de lácteos do Brasil foi obtido em 2004 e foi praticamente a metade do valor alcançado no acumulado deste ano, chegando a US$11 milhões.
Segundo o pesquisador do Cepea, as exportações ajudam a enxugar a oferta interna, ainda que representem apenas 3,5% da produção total do país. “Se as exportações não tivessem subido, talvez os preços não estivessem neste patamar”, diz Beduschi.
Não existem sinais de arrefecimento dos preços pagos no mercado internacional no curto prazo. “As condições são extremamente favoráveis à manutenção de um patamar de preços mais elevados pelo menos nos próximos dois anos”, diz Eduardo Dessimoni da Calu, que também é presidente da Comissão de Pecuária Leiteira da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado (Faemg). Já Rodrigo Alvim, da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), é mais otimista. A expectativa é de um novo recorde no saldo da balança e atinja os US$50 milhões até o final de 2007. “Normalmente o volume de exportações é maior no segundo semestre”, diz
Fonte:
Agência Estado. Por Gustavo Porto e Raquel Massote. 21 de setembro de 2007.
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