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Scot Consultoria

A briga, agora, é entre iguais


Terça-feira, 20 de novembro de 2007 - 09h04

Com a compra da Eleva, a Perdigão ultrapassou a Sadia e chegou ao topo do setor. O desafio é se manter lá Uma das maneiras mais eficazes de medir o crescimento - ou o fracasso - de uma empresa é comparar seu desempenho ao de seus concorrentes. Aplicada à Perdigão, essa regra mostra que o conglomerado alimentício catarinense percorreu uma trajetória brilhante. Em pouco mais de dez anos, a companhia saiu de uma crise abissal para a liderança no setor - e tudo isso diante de um concorrente duríssimo, a Sadia. Em 1994, quando foi vendida pela família Brandalise a um grupo de fundos de pensão, a Perdigão tinha apenas um terço do tamanho de seu rival. De lá para cá, a empresa se profissionalizou, realizou aquisições e chegou bem perto do tamanho da concorrente no fim do ano passado. A rivalidade entre as duas companhias atingiu o ápice em julho de 2006, quando a Sadia ofereceu 3,7 bilhões de reais pelo controle da Perdigão em uma operação conhecida no mercado de capitais como oferta hostil. O movimento foi unanimemente rechaçado pelos acionistas da Perdigão - que o consideraram uma ofensa. Ao adquirir a empresa de carnes e laticínios Eleva há duas semanas pelo equivalente a 1,7 bilhão de reais, a Perdigão finalmente foi bem-sucedida em sua estratégia de superar a rival. Juntas, Perdigão e Eleva terão um faturamento de 8,2 bilhões de reais, um número 4% maior que o da Sadia. A partir de agora, as duas empresas competem de igual para igual -- a questão é saber por quanto tempo se manterá essa situação. A chegada da Perdigão à liderança do mercado de alimentos coincide com um momento em que sua concorrente inicia uma estratégia particularmente agressiva. A Sadia anunciou que, até o final do ano que vem, vai investir 2 bilhões de reais em projetos de expansão. Cerca de um terço desse dinheiro será usado no aumento da capacidade produtiva da fábrica mais moderna da empresa localizada no estado de Mato Grosso, voltada para o processamento de frangos e suínos. Outra parte terá como destino o exterior. No início do ano que vem, a Sadia vai inaugurar sua primeira unidade internacional de processamento de aves na cidade de Kaliningrado, um enclave russo entre o território polonês e a Lituânia, às margens do mar Báltico. A empresa também acaba de anunciar sua segunda fábrica fora do país, a ser instalada nos Emirados Árabes Unidos. No Brasil, a Sadia planeja dobrar, até o fim de 2008, sua atuação no abate e processamento de carne bovina e, até 2009, atingir uma média de 4 000 cabeças abatidas por dia -- volume quatro vezes maior que o atual. A única possibilidade afastada pelo grupo é a entrada em novos segmentos, como fez a Perdigão. "Queremos ser muito grandes naquilo que já fazemos. Se é para investir, vamos focar em negócios nos quais podemos criar sinergias", diz um executivo da Sadia. "O que não queremos é um negócio completamente diferente como o de lácteos." É exatamente esse o grande desafio para a Perdigão daqui por diante. Apesar de ter adquirido, no ano passado, 51% da Batávia, empresa de laticínios paranaense dona da marca Batavo, a Perdigão ainda tem uma experiência tímida no setor comparada ao que vem pela frente com a Eleva, a segunda maior empresa de leite em participação de mercado, atrás apenas da Parmalat. O principal problema a ser enfrentado pela Perdigão diz respeito ao processo de captação da matéria-prima. No caso de aves e suínos, a produção já está perfeitamente alinhada com as necessidades da indústria. Por meio do chamado "sistema integrado", a Perdigão tem contratos com centenas de pequenos criadores, a quem fornece desde os filhotes de animais a ser engordados para o abate até a ração e os medicamentos veterinários. O trabalho do criador se resume a cuidar para que a infra-estrutura das granjas e o tratamento aos animais sigam a rigorosa prescrição da empresa. É assim que a Perdigão mantém controle total não só da quantidade de animais a ser abatidos mas da qualidade da produção. No caso do leite, não há padronização alguma entre os produtores, que se organizam em cooperativas, mas cuidam do rebanho cada um a sua maneira. Além disso, esse é um dos setores mais arcaicos e distantes da profissionalização no agronegócio brasileiro. "Resta saber como a Perdigão, conhecida pelo padrão de qualidade internacional em frangos e suínos, vai implantar suas regras nos laticínios", diz Maurício Nogueira, da consultoria de agronegócios Scot. O setor tem, ainda, outra peculiaridade a que a Perdigão terá de se acostumar. Em geral, as margens de lucro dos produtos lácteos são mais baixas em comparação às carnes. No caso da Eleva, essa situação se acentua. Enquanto a Batávia tem a maior parte de seu faturamento atrelada a produtos de maior valor agregado como leites especiais e iogurtes, a Eleva trabalha, basicamente, com commodities. Cerca de 30% do faturamento da empresa vem do leite longa vida - um produto com margem de apenas 2%. O iogurte e o requeijão, por exemplo, têm margem de 8%. A isso soma-se o fato de a marca Elegê, da Eleva, ter pouco prestígio entre os consumidores de São Paulo, o maior mercado de leite do país. Portanto, a grande arma da empresa para competir com a líder Parmalat é o preço - em média, 5% mais barato. Esse modelo de negócios faz com que, não raro, as negociações com o varejo se tornem verdadeiros massacres. "É uma queda-de-braço todo o mês", diz um executivo próximo à empresa. ALÉM DE TER DE APRENDER a administrar um negócio com regras próprias, o presidente da Perdigão, Nildemar Secches, e seus executivos precisarão tornar a operação da Eleva mais eficiente principalmente nas áreas de logística e vendas. Essas duas áreas praticamente ficaram de fora do amplo processo de reestruturação conduzido pela consultoria Galeazzi na Eleva nos últimos dois anos. O transporte de leite dos centros de distribuição até os varejistas está nas mãos de empresas terceirizadas consideradas pouco eficientes por executivos que conhecem a operação. Uma encomenda demora pelo menos uma semana para chegar ao interior de São Paulo, por exemplo - um prazo absurdo se comparado ao das empresas concorrentes que levam, em média, 48 horas. Não raro são despachados caminhões com menos da metade da capacidade disponível ocupada. O mesmo grau de ineficiência existe na área comercial. A Eleva não se relaciona diretamente com os varejistas, apenas por meio de representantes independentes. Esses vendedores são bastante próximos das grandes redes, mas não chegam até o comércio de pequeno porte - exatamente onde o consumo mais cresce no país. Das heranças da Eleva que ficaram para a Perdigão, a mais inusitada é a presença de um novo acionista. Antes da aquisição, a Perdigão era controlada basicamente por um grupo constituído por oito fundos de pensão e pela Weg Participações (a holding do grupo metalúrgico Weg). Como a operação de compra da Eleva envolveu parte do pagamento em dinheiro e parte em troca de ações, o controlador da empresa, o chinês Shan Ban Chum, tornou-se o terceiro maior acionista da Perdigão, com 7% do capital, atrás dos fundos Previ e Petros, que detêm, respectivamente 15,7% e 12% das ações. Com isso, Chum pode pleitear um assento no conselho de administração da empresa ou em um de seus comitês. Segundo um executivo que participou das negociações, Chum havia pedido o valor integral da Eleva em ações - o que o transformaria no segundo maior investidor da Perdigão. Essa possibilidade, no entanto, foi vetada pelo conselho da empresa. Mesmo sem toda a participação que gostaria, o empresário tornou-se um dos homens mais importantes da Perdigão e, segundo aqueles que conhecem sua trajetória, deve participar ativamente das decisões do negócio. Quando estava à frente da Eleva, Chum envolvia-se pessoalmente em questões que iam da negociação de ração animal até o preço dos produtos finais nos supermercados. Para tornar a reestruturação da companhia possível, foi preciso criar um sistema de relatórios, em que Chum era informado, diariamente, dos rumos da empresa. Apesar de todas as dores decorrentes do crescimento abrupto que a Perdigão deve enfrentar, a incorporação da Eleva traz pelo menos duas vantagens imediatas à empresa na disputa com a Sadia. A primeira é o ganho de escala no mercado de carne suína e de frango. Com a compra, a Perdigão tornou-se líder nessa área, com uma dianteira de 6% comparada à Sadia no mercado nacional. O tamanho traz à empresa maior poder de barganha com varejistas e mais prestígio diante de clientes no exterior e fundos de investimento. A segunda é a liderança na área de leite, que chega no melhor momento possível. Devido à seca que atingiu a Austrália e a Nova Zelândia, dois dos maiores produtores do mundo, e ao aumento do consumo na China, o preço do leite em pó no mercado internacional disparou. Hoje, a tonelada do produto custa cerca de 5 000 dólares (o dobro do ano passado). Essa é uma grande notícia para a Perdigão, que já tem uma operação internacional de distribuição montada para vender carnes -- e que pode, tranqüilamente, comportar outro produto. Essa briga promete. Fonte: Revista Exame. Por Melina Costa. 15 de novembro de 2007.
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