O jogo de interesses para a implantao da rastreabilidade na pecuria de corte brasileira pode ter sido um dos fatores que determinou o embargo da Unio Europia.
A meta inicial, quando o sistema de rastreamento foi criado, em 2002, era atingir 100% do rebanho em 2007. Mas, no chega a 10%.
Hoje, em Braslia, tcnicos europeus comeam a escolha das fazendas que podem se tornar aptas a exportar para o bloco. A partir da vistoria de 25 fazendas em seis estados brasileiros devem chegar a uma lista estimada em 300 propriedades. Poucas diante do universo de estabelecimentos que usam a rastreabilidade no Brasil. So 15,48 mil fazendas - sendo apenas 8 mil nos estados habilitados -, com 17,5 milhes de bovinos. A vistoria acaba dia 14 de maro.
"Como a gente no fez o que prometeu, comeou a ter exigncia especial", avalia o diretor da AgraFNP, Jos Vicente Ferraz. Segundo ele, quando o antigo Sistema Brasileiro de Identificao de Origem Bovina e Bubalina (Sisbov) foi criado - na gesto do atual presidente da Associao Brasileira da Indstria Exportadora de Carne (Abiec), Marcus Vinicius Pratini de Moraes - tinha obrigaes a serem cumpridas acima das exigidas pela Unio Europia. Na poca, os europeus avisaram que a partir de 2005 s comprariam carne de animal que pudesse ter todo o seu caminho - do nascimento morte - acompanhado. A Europa no determinou como seria a rastreabilidade. Cada pas criou o seu sistema. "Para no perder negcio, prometeram mundos e fundos", acredita
Alcides Torres, diretor da
Scot Consultoria Agroeconmica. O governo brasileiro criou, ento, o Sisbov, que teria adeso obrigatria at junho daquele ano para os exportadores para a Unio Europia e at 2007 para todo o Brasil. A idia era que, no futuro, at a produo leiteira fosse rastreada. Comeava ali uma quebra-de-brao entre governo, pecuaristas e frigorficos. Comenta-se que entre os interesses em jogo estava a criao de um novo mercado: a da certificao. Na poca, avaliava-se que movimentaria R$ 400 milhes. "O maior rebanho comercial do mundo pe um brinco em cada orelha. Isso viabiliza uma indstria", conclui
Torres.
Alm das diversas mudanas nas normas, o sistema passou tambm, em 2005, para outra secretaria dentro do ministrio (retornando no final do ano passado, pouco antes da crise estourar). "Havia presso de alguns grupos para isso", diz o secretrio de Agricultura do Estado de So Paulo, Joo Sampaio.
Para o secretrio-executivo da Associao das Empresas de Certificao e Rastreabilidade Agropecuria (Acerta), Paulo Hora, as mudanas foram feitas "de acordo com o que era mais vivel de aplicar". Ele aponta tambm o problema da obrigatoriedade. "O Sisbov foi feito revelia", diz Ferraz. Opinio semelhante tem o secretrio de Agricultura de So Paulo. Segundo ele, a rastreabilidade no foi encarada como um desafio da cadeia produtiva, mas como uma obrigao do pecuarista. "Como quiseram empurrar de cima para baixo, no aconteceu. No temos RG nem em todos brasileiros, imagina para o gado. Foi um erro de avaliao de quem negociou com a Unio Europia", diz Sampaio.
O presidente da Comisso Nacional de Pecuria de Corte da Confederao da Agricultura e Pecuria do Brasil (CNA), Antenor Nogueira, afirma que os pecuaristas nunca foram contra a rastreabilidade, mas contra a obrigatoriedade da adeso ao sistema. Por diversas vezes, desde a criao do Sisbov, o setor alegava que no tinha como arcar com os custos e que teria de receber mais pelo gado rastreado - o que, na prtica, no ocorreu: pagava-se menos pelo boi no brincado e no um bnus pelo animal certificado.
"Se encarar do ponto de vista de segurana alimentar, seria um bem. A rastreabilidade uma tendncia", afirma Ferraz. Mas, para
Torres, qualquer que fosse o sistema, o embargo ia ocorrer. "amos passar por isso mesmo fazendo tudo certo porque os europeus estavam procurando pulga em piolho. Trata-se de um bloqueio branco", acredita. Segundo ele, uma lista de 300 fazendas no atende demanda dos europeus. Portanto, na prtica, continuar havendo um controle do volume de compras.
Torres lembra ainda, que o embargo foi feito em um "bom momento": de escassez de oferta no mercado nacional, ou seja, que no traz conseqncias drsticas para o preo do gado, que continua nos patamares anteriores ao contencioso.
Fonte:
Gazeta Mercantil. Caderno C. Por: Neila Baldi. 25 de fevereiro de 2008.
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