Parmalat Com as aes em queda livre, a Laep teme perder o controle da empresa
Trs anos depois de escapar da falncia, em meio a um escndalo empresarial que teve origem na Itlia e desaguou no Brasil, a Parmalat atravessa mais um momento de indefinio quanto ao seu destino no Pas. O fundo Latin America Equity Partners (Laep) assumiu as operaes locais em junho de 2006, com ambiciosos planos de recuperao e expanso, a partir de recursos de investidores. Mas a desvalorizao das aes da empresa, de mais de 70% em relao ao preo na abertura do capital, em outubro ltimo, ps em xeque a estrutura montada para financiar os negcios, com base na abertura de uma holding no exterior. Os controladores da companhia se vem, agora, diante de um dilema: precisam captar mais dinheiro, alegam, porm, que, ao emitir aes na Bovespa, correriam o risco de perder o comando da empresa.
O quebra-cabea que os donos da Parmalat tm diante de si vem do advento, no Brasil, de regras em favor da transparncia nos negcios e da defesa dos acionistas minoritrios. O Novo Mercado da Bovespa, onde est listada a maioria das companhias que abriram o capital nos ltimos anos, exige que todas as aes dem aos portadores os mesmos direitos de opinar sobre os rumos do negcio. Por esse motivo, alguns grupos nacionais optaram por vender papis em bolsas de pases que permitem classes diferentes de acionistas. Assim, podem manter as rdeas do negcio, mesmo sem possuir a maior fatia do capital societrio.
Os ttulos emitidos l fora so negociados na Bovespa na forma de BDRs (documentos que equivalem posse efetiva das aes). Foi esse o rumo tomado pela Laep Investments, controladora da Parmalat Brasil, que escolheu a Bolsa de Luxemburgo para realizar o IPO (sigla em ingls para oferta pblica inicial de aes). A grande vantagem do BDR poder companhia sem ter o controle matemtico dela. A Parmalat requer capital intensivo. A idia era no ficar s naquela emisso, mas quando voltssemos ao mercado nossa participao iria cair abaixo dos 53% originais, explicou o presidente da Laep, Marcus Elias, em teleconferncia com um grupo de analistas e investidores internacionais, na tera-feira, dia 8.
Quando montou a operao, Elias no contava com um escndalo que viria a envolver uma empresa que adotou a mesma estratgia: a Agrenco. Em 20 de junho, a Polcia Federal prendeu executivos da companhia do setor agrcola, acusados de crimes contra o sistema financeiro. A operao deu o alerta para o fato de que empresas constitudas em parasos fiscais no escapam apenas das regras do Novo Mercado. Deixam tambm de ser fiscalizadas pela Comisso de Valores Mobilirios (CVM), que, mesmo com limitaes na atuao, o xerife chamado a dar alguma segurana ao acionista contra fraudes nas administraes. Foi o alerta para os investidores fugirem das aes negociadas na forma de BDRs.
Para os papis da Laep, o efeito Agrenco foi quase um tiro de misericrdia. Ocorreu no mesmo perodo em que o mercado virou, segundo o jargo dos operadores da bolsa. As companhias que mais aproveitaram os bons ventos do mercado em 2007 para venderem aes acumularam perdas. A indstria do leite enfrenta um momento difcil, com dificuldades para repassar ao varejo a alta de 30% nos preo aos produtores. Esse conjunto de fatores explica a perda de valor dos BDRs da controladora da Parmalat, negociados sob a sugestiva sigla MILK11 no prego da Bovespa.
Elias tampouco esperava o empurrozinho, na beira do abismo, de um relatrio do UBS Pactual, o mesmo banco que estruturou a abertura de capital do fundo, com a estratgia de BDRs. No documento, divulgado em 1 de julho, os analistas Guilherme Arruda e Jander Medeiros reduziram de 11,50 reais para 4 reais o preoalvo da ao da Laep daqui a um ano. Apenas nove meses antes, quando fez o IPO, o banco tentou vender o mesmo papel por 15,50 reais, mas s conseguiu 7 reais. A justificativa, ento, foi o escndalo das cooperativas de leite, que adulteravam a qualidade do produto vendido indstria.
Depois de ler o relatrio do UBS, Elias decidiu convocar a teleconferncia da tera-feira, dia 8. Durante 48 minutos, limitou-se a dar explicaes sobre o mercado leiteiro. Em resposta a uma ltima pergunta, o empresrio comentou os problemas enfrentados na bolsa. E deixou no ar a interrogao quanto ao futuro da companhia. Temos ouvido que o mercado est muito antiptico com relao estrutura de BDRs, e a gente no est insensvel, afirmou. Eventualmente, podemos unificar as aes. Qual o malefcio disso? que, numa prxima emisso, poderemos perder o controle. E quem poder compr-los? Qualquer um.
O relatrio do UBS apontava que o destino dos recursos de abertura de capital no foi o prometido pelo no prospecto da oferta. A Laep iria destinar 60% dos 477 milhes de reais captados no IPO para as atividades da Integralat, empresa criada para integrar a cadeia de produtores de leite. Mas a maior parte do dinheiro foi direcionada para capital de giro, investimentos e aquisio, como a compra da marca Poos de Caldas, em abril.
Os analistas do banco reduziram a previso de margem operacional da empresa de 10% para -0,4%. Ou seja, acreditam que a Parmalat ter prejuzo na atividade principal. Ficaram de fora do relatrio os eventuais ganhos trazidos pelas aquisies, bem como o fato de a Integralat estar em busca de um parceiro societrio e com financiamento do BNDES.
A aparente contradio entre as opinies dos profissionais do mesmo grupo financeiro aceita graas a um instrumento que o mercado apelidou de Chinese Wall. Trata-se de uma espcie de barreira virtual entre reas com interesses conflitantes dentro da organizao. Quando um banco conduz um IPO, o sucesso depende de se convencer os investidores a pagar o preo mais alto pela ao. Do lado da anlise, os profissionais se esforam para apontar os riscos da atividade que possam comprometer as aplicaes dos clientes. Na relao com a Laep, o UBS Pactual tambm fez as vezes de formador de mercado responsvel por estimular os negcios com aes do fundo.
Evitar o conflito de interesses no mercado de capitais um desafio em todos os pases, mas o Brasil dispe de bons instrumentos nesse sentido, diz o professor da Fundao Getlio Vargas e scio da Metrika Consultoria, Euchrio Lerner. Ela acredita que a queda de valor da Parmalat Brasil no incompatvel com a mudana de cenrio ocorrida no mercado de capitais, depois da crise das hipotecas nos EUA, que afugentou investidores estrangeiros.
O peso da subjetividade das avaliaes de mercado sobre as cotaes da Laep, em detrimento da atividade propriamente dita, destacado pelo analista
Maurcio Palma Nogueira, da
Scot Consultoria, especializada em agronegcio. A indstria de leite est, de fato, em uma situao delicada, pressionada entre o produtor e o varejo. Mas a marca Parmalat mostrou que no perdeu valor. Continua a custar 10% mais que as concorrentes na embalagem longa vida, diz o consultor. Em relao ao setor, at que a companhia est em boa situao.
Para a professora da Unicamp Maryse Fahri, os grandes bancos internacionais importaram para o Brasil o mesmo modelo que gerou crises como a quebra das empresas de Internet, na virada do sculo. Quando eles (os bancos) comearam a jogar muito para cima os preos nas aberturas de capital, quem tem juzo fica de fora, diz a economista. Ela tambm questiona o alerta da Laep, com relao ao risco de perda de comando da Parmalat ba Bovespa. Ainda no h notcia, no Brasil, de tomada de controle hostil de uma companhia aberta, recorda Maryse. Para ela, o aparente temor pode revelar a resistncia do grupo em rever a estratgia inicial e se submeter s regras do mercado brasileiro.
A professora lembra que a Cosan, do ramo sucroalcooleiro, perdeu valor quando decidiu transferir as negociaes para a bolsa de Nova York, no ano passado. Um dos objetivos era dar s aes do controlador, Rubens Ometto, um peso maior que o das demais. No caso da Parmalat, um nome forosamente associado ao escndalo de desvio de dinheiro na Itlia, a transparncia das operaes deveria ser a maior preocupao dos controladores.
Fonte:
Carta Capital. Lances e Apostas. Por Andr Siqueira. 16 de julho de 2008.
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