O baque na indstria automobilstica mundial e a recesso em vrios pases, reflexos da crise financeira internacional, pegaram em cheio o setor exportador de couro do Brasil. A ociosidade na indstria j supera os 40%, as exportaes do produto devem ficar US$500 milhes abaixo do esperado este ano e os preos do couro cru despencaram no pas.
Com 65% da exportao de couros voltada para a produo de estofamento para carros e mveis, o setor no resistiu retrao mundial nesses dois segmentos. De grandes curtumes, como Bertin e Vitapelli, aos de pequeno porte, a reduo nas exportaes generalizada. As empresas tambm sofrem com a restrio de crdito que afeta o capital de giro, por isso reduziram a produo.
O setor, que em 2007, vendeu US$2,2 bilhes ao exterior, esperava embarcar US$2,5 bilhes este ano, mas deve fechar com US$2 bilhes, segundo o presidente do Centro das Indstrias de Curtumes do Brasil (CICB), Luiz Bittencourt.
Refletindo a queda das vendas externas, o preo do couro cru, que os frigorficos entregam para os curtumes, recuou 70% desde maro do ano passado e est em R$0,70 o quilo na regio do Brasil Central, segundo a
Scot Consultoria. Nem a menor oferta de bovinos - o que diminui a quantidade de couros para processamento - conseguiu segurar as cotaes. H at casos de frigorficos que esto entregando couro cru fiado aos curtumes, segundo uma fonte.
Com a maior capacidade produtiva do pas em uma nica planta (at 18 mil peas dirias), o Vitapelli reduziu a produo de 15 mil para 6 mil couros ao dia nos ltimos trs meses. A empresa de Presidente Prudente (SP) processa couro apenas para estofamento e exportao - 60% para mveis e o restante para carros. No bastasse a queda no volume exportado, os preos tambm caram. Antes eu vendia o p quadrado (0,09 m) de couro a US$1,20 com muita facilidade, afirma Nilson Vitale, proprietrio do Vitapelli. Agora vendo a US$ 0,60 com dificuldade.
A companhia, que cresceu aproveitando a demanda aquecida por couro para estofamento, j demitiu 1,2 mil dos seus 3,6 mil funcionrios em agosto. Agora, se nossos clientes continuarem segurando pedidos, vai ocasionar mais demisses, afirma Vitale. Ele tambm diz estar com dificuldades de caixa e preocupado com a restrio do crdito. Tenta recuperar crditos de PIS, Cofins e ICMS em torno de US$150 milhes para usar como capital de giro.
Maior processador de couro do mundo, a Bertin informa que iniciou ajustes em sua capacidade produtiva antes do agravamento da crise. De acordo com o presidente da Bertin S.A, Joo Nogueira Batista, a diviso de couros tinha capacidade de 26 mil peles/dia, mas devolveu duas unidades que arrendava da Braspelco e ficou com 22 mil couros/dia. Atualmente, segundo ele, a empresa processa 18 mil unidades dirias em suas dez plantas (nove no Brasil e uma na China).
Em alguns de seus curtumes, a Bertin deu frias coletivas o que normalmente ocorre nesta poca do ano, diz Batista. Mas a queda da demanda tambm influencia, admite. Ele tentou demonstrar otimismo, apesar das incertezas em relao a 2009. A demanda ser menor, mas nossa rentabilidade (no segmento) vai crescer graas aos ajustes e ao cmbio, afirma.
Outro que reduziu o processamento foi o curtume Touro, de Presidente Prudente - de 2 mil couros ao dia para 1,5 mil. Trs quartos das peas so exportadas, sendo que 60% delas so para a indstria caladista e o restante para estofamento. Em alguns setores do curtume, reduzimos o turno de trs para dois, diz Fernando Carballal, diretor da empresa e vice-presidente do Sindicouro (rene os curtumes de So Paulo).
O Touro tambm cobra do governo estadual a devoluo de cinco trimestres acumulados de ICMS, que, segundo Carballal, equivalem a dois meses de receita. O ressarcimento mais rpido desses crditos , alis, uma das reivindicaes do setor para aliviar a crise, segundo Luiz Bittencourt, do CICB.
O dirigente diz que o pas, segundo maior exportador mundial de couro, enfrenta queda nas vendas desde o incio do ano por conta do real valorizado que encarecia o produto brasileiro no exterior. De quatro meses para c, a situao piorou com a crise nos EUA e a recesso nos principais mercados.
O quadro grave j que 75% da produo brasileira de couros (44 milhes de peles/ano) vai para a exportao e 70% da receita total est concentrada em trs mercados. Das vendas externas brasileiras, 32% vo para a China, 27% para a Itlia e 11% para os EUA. H concentrao tambm do tipo de produto que o Brasil exporta: 65% para as indstrias de estofamento (principalmente automotiva), 25% para a indstria caladista e o restante para artefatos em couro.
A situao muito especial e 2009 uma incgnita, avalia Bittencourt. A recuperao do setor depende em grande medida, admite ele, da retomada da indstria automotiva. Nos EUA, onde a crise do setor automobilstico mais aguda, a indstria busca ajuda do governo.
Com a crise, banco de couro para Mercedes virou suprfluo, diz, com certa ironia, Jos Vicente Ferraz, especialista da AgraFNP.
Mesmo quem no trabalha com estofamento sentiu forte reduo nas exportaes. O curtume AP Mller, que produz couro para artefatos - bolsas e cintos - viu as vendas carem 50% e dispensou um tero dos 100 funcionrios. A maioria dos clientes est na sia e vende para EUA e Europa. Reduziram muito a produo, diz Cezar Mller, proprietrio. Acredito que, o crdito voltando para o consumidor final, vamos retomar os negcios a partir de maro, mas num nvel inferior do que foi no comeo deste ano.
Fonte:
Valor Econmico. Agronegcios. Por Roberta Campassi e Alda do Amaral Rocha. 15 de dezembro de 2008.
<< Notícia Anterior
Próxima Notícia >>