No momento em que a cotação da arroba do boi gordo atinge um valor recorde, diante de uma escassez de animais prontos para abate, as margens de lucro dos frigoríficos do Brasil se sustentam no crescente consumo interno, em que pese as exportações estejam menos competitivas, disseram especialistas nesta quarta-feira.
A melhora da renda da população brasileira, que tende a consumir ainda mais no final de ano com a chegada do décimo terceiro salário, tem garantido repasses de preços para a carne bovina na proporção da alta do boi, com arroba sendo vendida acima de R$100 atualmente.
“Nos mercados atacadista e varejista, a cada real que sobe (o boi) está tendo repasse (para a carne) e está tendo absorção. Nestas épocas de preço elevado, pensando em mercado interno, o frigorífico ganha bem, porque ele repassa fácil, o mercado é comprador, não existe estoque...”, afirmou Alcides Torres, engenheiro agrônomo e analista da Scot Consultoria.
No acumulado do mês de outubro, a arroba do boi gordo em São Paulo teve valorização de cerca de 15%, para um recorde de R$107,60 na terça-feira, mesma alta percentual registrada para a carne negociada no atacado paulistano, segundo o Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/USP.
“Acho que o frigorífico está ganhando dinheiro, a gente não sabe o lucro, mas a gente faz as contas das margens, e está bom para os frigoríficos hoje”, acrescentou ele.
No ano, a variação acumulada do preço da carne e do boi também é semelhante, de quase 40 por cento, segundo o Cepea.
Torres afirmou que já se fala no mercado em R$110 pela arroba, num período em que o consumo aumenta ainda mais.
“O fim de ano é favorável, a gente tem agora a primeira parcela do 13º em novembro, e tem bonificações em dezembro, e isso é bom para o mercado... Outra coisa, o poder do salário mínimo aumentou acima da inflação, fora as bonificações atráves de cartões de alimentos, então isso tudo tem dado essa alavancada no consumo de proteínas”, declarou.
Limites
Segundo o professor da Esalq e pesquisador do Cepea Sérgio De Zen, é difícil saber o limite da transferência do preço. Mas ele ponderou que, apesar dos picos de preço da carne, o consumidor tem algumas opções para amenizar a situação.
“Ele tem a possibilidade de escolha e nem todos os cortes vão na mesma direção, e com isso tem uma situação mais equilibrada do que parece, parece que o preço vai explodir, mas não explode, na média fica mais caro, mas não na mesma proporção”, disse De Zen.
Outras carnes (de frango e suína) também estão apresentando alta, em meio a preços maiores de matérias-primas para a ração como o milho no mercado internacional.
Os preços mais altos dos alimentos mereceram até um comentário do candidato a presidente José Serra (PSDB), que avaliou que o governo deveria tomar medidas para contar a alta.
Mas o analista da Scot ponderou que o passado da economia brasileira mostra que o próprio mercado e os consumidores devem regular tais movimentos de preços, e não o governo.
Os especialistas lembraram que a alta atual no preço da arroba do boi não está sendo aproveitada por todos os pecuaristas, até porque não são muitos com bois prontos para ofertar.
Após um período longo de seca este ano, o boi de muitos produtores continua magro. E os pecuariastas tentam elevar o peso dos animais para otimizar os ganhos num período de baixa oferta, até porque os custos de reposição do rebanho também sobem nessas épocas.
Da parte do boi gordo, só deve ocorrer um alívio de preço a partir de janeiro, quando a oferta melhorará após um período de chuvas que deve recompor os pastos.
Mercado externo
O preço recorde do boi, entretanto, é mais sentido para as unidades frigoríficas que vendem para o mercado externo, onde a competitividade da carne brasileira já não é mais a mesma, também em função da taxa cambial.
“Talvez a gente esteja vendo um dos momentos mais complicados, se analisar o pilar de sustentação (do mercado de exportação): tem oferta menor, tem uma capacidade estática subutilizada, tem o dólar que achata e termina a competitividade, sem contar o preço do boi em patamares nunca atingidos”, afirmou Antônio Camardelli, presidente da Abiec, que representa os exportadores.
Segundo ele, considerando que o Brasil, maior exportador mundial de carne bovina, não tem mais o diferencial do preço do gado em relação aos seus competidores, o governo e o setor privado deveriam buscar novos procedimentos e tecnologias para ampliar a competitividade.
Tendo isso, o Brasil - com o maior rebanho comercial do mundo e amplas áreas disponíveis - voltaria a ter um diferencial.
Camardelli disse que prefere aguardar o fim de outubro antes de falar sobre uma previsão de volume exportado em 2010.
Mas disse que “a essa altura do jogo, o volume não interessa muito, o negócio tem que crescer em preço/tonelada e isso tem sido verificado”.
“O que interessa é ser campeão de renda”.
Fonte: Primeira Edição. 27 de outubro de 2010.
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