As notícias conversam. O JBS-Friboi foi escolhido pelo BNDES para ser o campeão brasileiro na produção de carne. Recebeu R$7 bilhões nos últimos três anos. Agora, foi acusado pelo Ministério Público do Acre de comprar carne de fazenda com trabalho escravo. A Bertin recebeu em três anos R$3,3 bilhões. Saiu da carne, entrou em energia e não consegue cumprir nenhum contrato.
Divulgadas no noticiário diário, as informações parecem não estar relacionadas. Juntas, elas contam que a estratégia do BNDES de escolher campeões para liderar setores no Brasil está fracassando, da mesma forma que fracassou nos anos 1970.
Inúmeros frigoríficos quebraram desde a crise de 2008 e haveria naturalmente uma concentração, mas o BNDES negou empréstimos a alguns e concentrou ajuda fabulosa em outros. O maior beneficiado foi o JBS-Friboi, ao qual o BNDES concedeu vários tipos de empréstimos, comprou debêntures e ações. Hoje, o banco tem 20% do capital da empresa, mas houve emissões de debêntures que o banco comprou quase 100% do que foi emitido.
Consolidação pode acontecer em qualquer mercado, principalmente depois de crises, mas o problema é que a ideologia do BNDES é de induzir a concentração para a formação de campeões nacionais em cada setor: grandes conglomerados. Esta era exatamente a ideia dos estrategistas da política industrial do governo militar. O projeto fracassou. A maioria dos escolhidos quebrou, se encolheu, foi comprada por empresas estrangeiras. Não é o Estado quem deve escolher quem é campeão; quem tiver competência que se estabeleça.
O frigorífico Independência foi o sinal avançado de que essa escolha de favoritos poderia fracassar: ele quebrou logo após o banco emprestar recursos e comprar ações da empresa.
O JBS com toda a montanha de ajuda deu prejuízo no ano passado, tem demitido funcionários, como aconteceu recentemente em Campo Grande, e suas ações despencaram. De primeiro de janeiro de 2010 até sexta-feira, a queda foi de 41,2%.
Um estudo de Antônio José Maristrello Porto e Rafaela Nogueira, do Centro de pesquisa em Direito e Economia da FGV-Rio, apontou “indícios de que os empréstimos fornecidos pelo BNDES possibilitaram a ampliação dos lucros dos frigoríficos à custa dos consumidores e dos produtores de carne brasileiros.” Segundo artigo que os dois publicaram no “Estado de S.Paulo”, na semana passada, estudos mostram que o setor teve “aumento de preço para o consumidor final e queda de preço recebido pelo produtor.”
Tudo isso era para aumentar nossa presença no mercado internacional, tanto que o BNDES incentivou o JBS na compra de frigoríficos no exterior. No ano passado, caiu o volume de exportação de carne brasileira. Em volume, foi o pior resultado desde 2004. Em valor, subiu porque o preço ficou mais alto no mercado internacional. Segundo a Scot Consultoria, que acompanha o setor, o Brasil está exportando 15% menos do que em 2005.
A Bertin saiu do setor de carne, também dentro dessa estratégia de consolidação induzida pelo Estado. Ganhou concorrências no setor elétrico e foi incluída no consórcio que o governo organizou para disputar a hidrelétrica de Belo Monte. A situação atual da Bertin é a seguinte: ela não conseguiu concluir em tempo seis das térmicas cujas concessões ganhou; está enrolada em outras 15; saiu de Belo Monte e tem que pagar multa a Aneel.
O grupo Bertin recebeu do BNDES R$3,3 bilhões entre 2007 e 2009: R$800 milhões em financiamento e R$2,5 bilhões em operações no mercado de capital. Em 2009, o setor de carnes da Bertin foi comprado pelo JBS-Friboi, grupo que recebeu em três anos R$7 bilhões: um aporte de capital em 2007 no valor de R$1,1 bilhão, um segundo aporte de R$1,6 bilhão. Em 2009/2010 houve subscrição de debêntures no valor de R$3,4 bilhões. Além disso, houve outros financiamentos de R$395 milhões e R$580 milhões. Com a compra, o JBS assumiu todas as dívidas que o grupo tinha com o banco e o banco passou a ter 20% do JBS-Bertin.
A ação do Ministério Público do Acre é contra 14 frigoríficos pelos crimes de compra de gado de fazenda flagrada em trabalho escravo ou em fazendas que foram autuadas por desmatamento ilegal. Um deles é o JBS. A Ação do MP informa que as “guias de transporte animal” comprovaram que o JBS-Friboi comprou bovinos em 2009 e 2010 das fazendas de Gramado e Bella Alliança, no Acre, que “foram flagradas com a prática de exploração de trabalho análogo ao de escravo.” A descrição das condições em que foram encontrados os trabalhadores é de envergonhar o país. Eles eram submetidos à moradia indigna, alimentação inadequada, água suja, anotações em caderno de compras, descontos em seus salários do material de segurança, trabalho com agrotóxico sem proteção. Isso cria uma situação absurda: o BNDES escolheu como campeão, emprestou e virou sócio de empresa que aceita essa prática ao comprar carne desses produtores.
No caso da Bertin, o governo agora vai chamar outras empresas para salvar os empreendimentos. A Petrobras está escalada para assumir as termelétricas que a Bertin não conseguiu concluir. A Vale, agora sob nova direção, foi escalada para salvar Belo Monte, assumindo a participação da Bertin no consórcio.
O BNDES reeditou a política industrial que deu errado nos anos 1970 e ela deu errado de novo. O governo vai admitir que errou ou continuar repetindo a mesma insensatez?
Fonte: O Globo. Economia. Por Míriam Leitão e Alvaro Gribel. 17 de abril de 2011.