Médico-veterinário pela Universidade de São Paulo. É professor titular do departamento de clínica médica pela FMVZ-USP, especializado em Clínica de Ruminantes (ortolani@usp.br).
Essa coluna consta de duas partes: A) Manejo Sanitário para o mês; B) Registro recente de doenças transmissíveis ou não, sugerindo medidas para suas prevenções. Tais registros são obtidos com o apoio das Agências Estaduais de Defesa Sanitária Animal, do MAPA, e da rede de contato de veterinários de campo, assim como minhas observações.
Novembro é um dos meses-chave para o manejo sanitário nos rebanhos, centrado nas campanhas oficiais de vacinação contra febre aftosa (FA) e brucelose e a vermifugação estratégica, num grande número de locais no Brasil.
Todos os bovinos, de diferentes idades, do rebanho devem ser vacinados nos seguintes estados: Bahia, Amapá, Rio de Janeiro, Sergipe e São Paulo. Esta será a última vacinação contra febre aftosa nos rebanhos paulistas, passando a partir de 2024, a não ser mais obrigatória. Para atingir tal status de não vacinação o sistema de defesa animal estadual tem que provar que os últimos índices de vacinação foram altos; que foram treinadas equipes para enfrentar e controlar rapidamente possíveis futuros surtos de FA no estado; que existe um fundo financeiro para ressarcir os proprietários que tiveram bovinos com FA, que serão sacrificados etc. O último caso de FA no estado de São Paulo foi em março de 1996.
Outros estados vacinarão bovinos com até 2 anos de idade (Alagoas, Amazonas, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Roraima).
Atualmente, no Brasil, somente os estados de Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, Acre, Rondônia e partes do Amazonas e do Mato Grosso têm a certificação internacional de zona livre de febre aftosa sem vacinação. Estamos avançando passo-a-passo, no combate à FA no país.
Com exceção de Santa Catarina, a vacinação contra brucelose com a vacina “B19”, é obrigatória em todas as bezerras de três a oito meses de idade, sob supervisão e controle de um veterinário credenciado no MAPA. Não se recomenda a vacinação concomitante de brucelose e da vacina contra as clostridioses (manqueira, tétano, botulismo etc.), pois trabalho brasileiro demonstrou que a produção de anticorpos contra estas doenças é menor, recomendando a vacinação contra clostridioses 30 dias depois da imunização contra brucelose.
Em Santa Catarina é proibido o uso da vacina “B19”, sendo obrigatório o uso da vacina RB51 nos rebanhos que tiveram surtos da doença, e facultativo nas propriedades que não registraram a enfermidade. Em outros estados é permitido o uso da vacina RB51 em fêmeas superiores a oito meses de idade.
Vários estudos brasileiros verificaram os melhores momentos no ano para a vermifugação estratégica dos bovinos, com o intuito de diminuir o número de vermes nos bovinos e no ambiente.
Para as áreas do Brasil chamado Central (Nordeste de Santa Catarina, Paraná, todo Sudeste e Centro-Oeste, Tocantins, centro sul da Bahia, região amazônica do Maranhão, Rondônia, Acre e sul do Pará) recomenda-se a vermifugação segundo o esquema “5-8-11” (maio; agosto e novembro). Para novembro recomenda-se vermifugação com o princípio ativo Moxidectina 10%. Nesse esquema, tratam-se todos os bovinos da desmama até os 24 meses de vida. Animais vermifugados nesse esquema ganham, por ano, 70 kg a mais de peso em relação aos não tratados e 30 kg a mais em relação aos vacinadas nos meses maio e novembro.
Para o estado Rio Grande do Sul e noroeste e sul de Santa Catarina (esquema 3-6-7-11) o mês de novembro coincide com o Brasil Central, recomendando-se o mesmo tratamento com o princípio ativo (Moxidectina 10%).
Veterinário acreano descreveu a morte súbita de oito bovinos adultos, criados extensivamente, na região de Rio Branco. Os animais tinham sido transferidos a pouco tempo para uma área de várzea, em seguida iniciou a seca prolongada que castiga a região amazônica, e então comeram grande quantidade de folhas de um certo arbusto, identificado como Arrabidaea bilabiata, conhecida na região como “gibata”.
As folhas mais jovens têm maior concentração da substância tóxica do que as mais velhas, e no período de estiagem, a toxina se concentra ainda mais nas folhas. Segundo estudos venezuelanos a toxina é um glicosídeo que provoca a morte 6 a 24 horas após a ingestão de 6g de folha por quilo de peso vivo. Os glicosídeos em dose correta aumentam a força de contração cardíaca e melhoram o bombeamento de sangue para o organismo, mas em doses muito altas causam diminuição dos batimentos, seguido de parada cardíaca.
Os sintomas dessa intoxicação são os seguintes: dificuldade para andar, tremores musculares, respiração acelerada, queda em quilha e depois de lado, pedalagem, mugidos e morte. Infelizmente, não existe um tratamento para o problema. Recomenda-se cercar as áreas de várzea em que se concentram a A. bilabiata.
Após o cafezinho-bravo (Palicourea marcgravii) essa planta é a que mais mata na região Amazônica.
Figura 1.
Folhas e flores novas e tenras da gibata.Fonte: Enrico L. Ortolani
Figura 2.
A gibata causa morte súbita.
Fonte: Enrico L. Ortolani
Veterinário relatou a recentíssima morte súbita de 20 bois, no decorrer de 10 dias, em confinamento que engorda 2.500 bovinos num município no sul do Pará. A suspeita recaiu sobre uma enfermidade chamada enterotoxemia, causada por uma bactéria intestinal denominada Clostridium perfringens, tipo A.
As mortes ocorreram inicialmente em sete bovinos cruzados Angus-Nelore, seguido de 12 mortes nos próximos dias não apenas de cruzados, mas também da exemplares da raça Nelore. Os animais tinham ao redor de 40 dias de cocho, e coincidiu com um pico de calor, cuja temperatura máxima era superior a 40ºC, e em seguida uma troca de componentes da dieta, a base de: silagem de milho, e concentrado de milho e sorgo (6 kg/cabeça). Segundo o histórico, os bovinos não foram vacinados contra clostridioses ou outras doenças, apenas vermifugados. O trato era feito duas vezes por dia, um pela manhã e outro no final da tarde. Acredita-se que devido ao forte calor, os animais pouco comiam no decorrer do dia, mas concentravam a ingestão dos alimentos no cair da tarde e no decorrer da noite, quase limpando o cocho pela manhã. Coincidentemente, os bovinos mais viçosos, e que provavelmente comeram mais, é que morreram.
Alguns bovinos vistos ainda vivos, estavam isolados do rebanho, bastante abatidos e ligeiramente estufados nos dois lados da barriga, caiam e morriam em seguida. Na necrópsia chamava a atenção a presença de estufamento e de faixas tigradas de coloração vermelho-arroxeadas no intestino delgado (jejuno), o qual aberto encontra-se um conteúdo marrom escuro, indicando grande necrose da parede interna do órgão e presença de sangue.
O diagnóstico foi feito pelos achados epidemiológicos, clínicos e de necrópsia. A bactéria C. perfringens tipo A, é normalmente encontrada em pequeno número nos intestinos. Não se conhece ainda todos os mecanismos da doença, mas acredita-se que em determinadas situações de estresse, de troca de componentes da dieta e de ingestão exagerada de concentrados energéticos e falta de fibra ou excesso de fibra longa na ração, há uma parada de movimentação dos intestinos e o excesso de amido no intestino delgado. Estes dois fatores favorecem o crescimento explosivo da bactéria, produzindo duas toxinas que vão agredir profundamente a parede do intestino, gerando um quadro de enterotoxemia, que é fatal.
Embora alguns componentes das vacinas contra clostridioses gerem alguma proteção cruzada contra essas toxinas específicas, todas as vacinas brasileiras não contêm “toxóides” específicos contra o C. perfringens tipo A, que poderiam promover uma proteção ideal contra esta doença.
Figura 3.
Intestino delgado com aspecto “tigrado”.
Fonte: Enrico L. Ortolani
Figura 4.
Conteúdo do intestino lesado.
Fonte: Enrico L. Ortolani
Segundo relato de veterinário regional, está ocorrendo um foco de Paramphistomum spp. em vários desmamados trazidos de região sul do Rio Grande do Sul para a cidade de Jaciara, Mato Grosso. Além de perderem peso e estarem com anemia, os garrotes estão apresentando fezes semilíquidas, com coloração muito escura em todo o seu conteúdo (hipercólicas), sugestivas de sangue oculto nelas, além de conter catarro (muco) no seu interior. A suspeita é que os bovinos estejam com o verme chato Paramphistomum spp, pois na região que vieram esses animais no RS, essa verminose é muito frequente.
O ciclo do parasita é complicado, os ovos são eliminados nas fezes, se transformam em larvas no meio ambiente, penetram em certos caramujos e aí se desenvolvem, crescem, saem do caramujo nadam e sobem em capins beira dos riachos e locais alagados esperando ser ingeridos pelo bovino. Parasitam o intestino delgado e aí sugam sangue e irritam a parede, por seis a oito semanas, voltam para o rúmen e aí se tornam adultos botando os ovos e fechando o ciclo.
Por enquanto os bovinos da própria fazenda não estão apresentando o problema, mas caso haja contaminação do ambiente, os caramujos locais podem se infectar e o problema passa a existir de forma crônica na fazenda, visto que Jaciara fica próxima da região do Pantanal, que têm condições propícias para presença de caramujos e do verme. No Brasil já foram descritos a presença de Paramphistomum no RS, PR, SP, AC, RO, RN, MA, PA e AM.
Apenas dois vermífugos a base de oxiclozanida e niclosamida, (ambos por via oral na dose de 20 mg/kg PV) funcionam para matar as formas jovens e adultas do parasita. Medicamentos para combater a Fasciola hepatica (albendazol, tricabendazol, clorsulon, netobimin e nitroxinil) infelizmente não atuam contra o Paramphistomum spp.
Figura 5.
Placa de fezes escuras de um desmamado.
Fonte: Enrico L. Ortolani
Figura 6.
Paramphistomum no intestino delgado.
Fonte: Enrico L. Ortolani
Figura 7.
Paraphistomum adulto na parede do rúmen.Fonte: Enrico L. Ortolani
Figura 8.
Ciclo do Paramphistomum spp.(Fonte: Prof. Claudio S. L. Barros UFSM)
Veterinário catarinense descreveu um foco de diarreia viral bovina (BVD, sigla em inglês) num rebanho de corte em SC, com cerca de 100 vacas. O rebanho era “fechado” por vários anos, ou seja, só saiam e não entravam animais comprados na propriedade e aparentemente nunca tinha ocorrido a doença antes. Tudo começou quando recentemente resolveram comprar sêmen de uma pequena central de inseminação do estado do Rio Grande do Sul, para usá-lo num programa de IATF na vacada. Tudo indica que o touro doador era um animal IP, ou seja, infectado permanentemente (IP) com o vírus da BVD, mas sem apresentar nenhum sintoma, e tinha a qualidade de seu sêmen normal.
Num animal IP o vírus tem enorme chance de contaminar o sêmen e mesmo o congelamento a -196ºC não mata o vírus. Depois da fertilização dos óvulos, de uma vaca livre de BVD com o sêmen contaminado, vários ovos podem morrer ao redor do 8º dia de concepção, voltando a fêmea ao cio depois de algumas semanas. Foi o que aconteceu na propriedade. Para complicar mais ainda, mais tarde foi constatada a presença de abortamentos (ao redor de 5 meses de idade; feto com tamanho de um gato grande), morte precoce dos bezerros em seguida ao nascimento, quer seja por fraqueza ou por pequeno crescimento do cerebelo e outras má formações, nascendo sempre abaixo do peso esperado.
Após a estação dos nascimentos e acompanhamento dos bovinos do rebanho, por meio contínuos exames sorológicos e isolamento do vírus por PCR, na Universidade do estado de Santa Catarina (UDESC), foram encontrados sete bovinos IP, que se não retirados do rebanho manterão a constante infecção no mesmo. Para complicar o meio de campo, identificou-se que o vírus infectante é do tipo BVD 1-B, exatamente o que não está presente nas vacinas comerciais, que protegem contra os subgenótipos BVD 1-A e BVD 2-B. Mesmo assim, optou-se por vacinar todas as fêmeas vazias, usando uma boa vacina comercial. Todo o cuidado é pouco, certifique sempre a procedência da qualidade da Central de Inseminação de seu sêmen e veja bem os animais que você compra, pois, uma única maçã podre (animal IP) pode contaminar todo seu rebanho!
Figura 9.
Esquerda cerebelo pequeno – BVD; direita cerebelo normal.Fonte: Enrico L. Ortolani
Figura 10.
Primeiro feto à esquerda: 5 meses: "gato grande!"
Fonte: Enrico L. Ortolani
Figura 11.
Feto abortado devido à infecção pelo BVD.
Fonte: Enrico L. Ortolani
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