Médico-veterinário pela Universidade de São Paulo. É professor titular do departamento de clínica médica pela FMVZ-USP, especializado em Clínica de Ruminantes (ortolani@usp.br).
Foto por: Scot Consultoria
Reconhecido Professor da UNIPAMPA, em Uruguaiana RS, diagnosticou em um rebanho de 400 vacas Braford, um severo surto de babesiose, que culminou com a morte de 30 delas, e muitas outras doentes que conseguiram sobreviver. Os animais apresentaram, além apatia e da intensa anemia, quadro nervoso caracterizado por dificuldade de andar, perda de equilíbrio, queda e movimentos de pedalagem, posição de mirar estrelas (figura 1). Após uma série de exames de sangue, obtidos de vários vasos sanguíneos, detectou-se uma quantidade muito alta de hemácias (células vermelhas que carreiam oxigênio e gás carbônico), parasitadas por Babesia bovis e em menor grau por Babesia bigemina e Anaplasma marginale. Diferente destes dois últimos agentes a B. bovis atinge o cérebro e causa severos sintomas nervosos. Na necrópsia foi constatado no cérebro a coloração rósea-avermelhada (figura 2), quando normalmente esta é rósea clara (figura 3). Muitas vacas doentes desse surto conseguiram ser tratadas com medicamentos específicos contra esses agentes e foram curadas. Praticamente, a quantidade de carrapatos visíveis nas vacas eram poucos, mas já as larvas, pouco visíveis, podem transmitir estes agentes, em especial a B. bovis.
O pesquisador acredita que o surto se deve ao fenômeno chamado de “instabilidade enzoótica”, em que por certos períodos diminui drasticamente ou somem os carrapatos, fazendo que por falta de contato diminua a produção de anticorpos e defesas contra os agentes da tristeza parasitária, e quando subitamente voltam estes aracnídeos, os animais mais fracos e indefesos apresentem a doença. Além das regiões fronteiriças, como o Uruguai, o fenômeno de instabilidade enzoótica também é observado na área central do Rio Grande do Sul, no planalto catarinense, na região centro-sul do Paraná, e em toda caatinga nordestina e do norte de Minas Gerais. Em outras localidades brasileiras essa condição já foi descrita, mas por ser uma área temperada e relativamente fria, que provoca uma diminuição drástica ou quase sumam por certos períodos os carrapatos, quando eles ressurgem pode ocorrer um surto de tristeza parasitária.
Segundo alguns estudos brasileiros, as maiores vítimas da instabilidade enzoótica são os bezerros recém-nascidos, que podem logo em seguida ao nascimento manifestar a anaplasmose, contraída ainda no útero; os garrotinhos de seis a 12 meses, mais sujeitos também a anaplasmose; sendo mais padecedor da babesiose os bovinos adultos, em especial aqueles das raças taurinas ou daquelas com alto sangue taurino, com a raça Braford (3/8 Brahman e 5/8 Hereford) que são mais sujeitos às infestações de carrapatos.
Figura 1.
Vaca com babesiose cerebral, com posição de mirar estrelas
Fonte: Cristina Ballanin.
Figura 2.
Coloração rosa clara de um cérebro normal.
Fonte: Ana Lúcia Schild.
Figura 3.
Na babesiose cerebral a coloração se torna rósea-avermelhada
Fonte: Ana Lúcia Schild.
A intoxicação por “mio-mio” (Baccharis coridifolia) volta a ser notícia no RADAR SANITÁRIO. Agora foi no planalto catarinense! Destacado veterinário de campo dessa região do estado fez o diagnóstico da morte de oito recém-desmamados, de um lote de 30, que tinham sido comprados de uma outra propriedade distante, que não tinha a presença dessa planta invasora. Após a chegada dos desmamados estes ficaram num curral por três dias recebendo silagem de milho e casquinha de soja. Após esse tempo, os animais foram soltos num piquete relativamente “rapado” e bastante infestado por “mio-mio” (figura 4). Cerca de 24 h após a soltura na pastagem, cinco garrotinhos subitamente sucumbiram, e no dia seguinte mais três seguiram o mesmo destino. Informado, o profissional sugeriu a retirada imediata do lote, não ocorrendo mais a morte de nenhum deles. Segundo o proprietário, os três machinhos que morreram, 48 h depois da colocação no piquete, manifestaram isolamento do rebanho, muita intranquilidade, completa falta de apetite, algum grau de meteorismo gasoso ruminal (acúmulo de gás no rúmen), diarreia, gemido, posição de mirar estrelas (figura 5) e pedalagem antes da morte. Na necrópsia dos três bovinos, o veterinário confirmou a morte por essa intoxicação, constatando as lesões no rúmen e o encontro da planta no seu interior (figura 6 e 7).
O “mio-mio” é encontrado no RS, planalto catarinense, centro-sul do PR e numa pequena área do sul de SP. Além destes locais, é muito visto em vastas áreas da Argentina, Uruguai e sul do Paraguai. O fato que chama a atenção é que bovinos que convivem com a planta não a ingerem, ocorrendo a intoxicação em animais recém-chegados à propriedade, ou nos nativos extremamente famintos. Descobriu-se que a planta (em especial as do gênero feminino) acumulam uma micotoxina (toxina produzida por fungos tricotecenos macrocíclicos), que inicialmente é produzida nas raízes e depois é transferida para o caule, as folhas e as flores, os quais são ingeridos, provocando rapidamente a morte.
O “xis” da questão é a prevenção! Acredita-se que bezerros ainda em amamentação comam pequenas quantidades da planta e têm algum desconforto abdominal, aprendendo a não mais ingeri-la. Assim, recomenda-se que animais recém-introduzidos na propriedade e não acostumados à planta, nunca devam ser soltos abruptamente no pasto, com fome e sede, e que aí não permaneçam, nos primeiros três dias, por mais de uma hora por dia. Desta forma, eles rapidamente desenvolverão aversão à planta deixando de comê-la.
Figura 4.
Campo nativo muito infestado com “mio-mio”.
Fonte: Silvério Bunn.
Figura 5.
Caprino intoxicado por “mio-mio”, exemplo da posição de “mirar para as estrelas”.
Fonte: Vittuli-Moya G.
Figura 6.
Muito conteúdo escuro no interior do rúmen.
Fonte: Tainá dos Santos Alberti.
Figura 7.
Despregueamento da parede do rúmen, com vermelhidão da submucosa.
Fonte: Taína dos Santos Alberti.
Segundo informações da SEAPI, ligado à Secretaria da Agricultura, aumentaram os focos de raiva em bovinos no Rio Grande do Sul, depois da inundação que castigou aquele estado. Foram constatados recentemente 33 focos, parte deles nas áreas mais inundadas, e outros concentrados na região central do estado, principalmente no Vale do Jaguari. Como já foi sugerido em outra edição do RADAR SANITÁRIO, recomenda-se a todos os pecuaristas gaúchos a vacinação de seus rebanhos, a partir de bezerros acima de 17º dias de vida, visto que é esperado um maior ataque de morcegos nestes primeiros meses de pós-inundação e no decorrer deste ano.
Focos de raiva em municípios de outros estados
Paraná: Adrianópolis, Capanema, Campina Grande do Sul, Cascavel, Lindoeste, Prudentópolis, Umuarama, Santa Lúcia, Santo Antônio da Platina (ADAPAR);
São Paulo: São Lourenço da Serra (Defesa Agropecuária);
Minas Gerais: Monte Santo de Minas, Cristina, Sacramento, Três Corações, São João Nepomuceno e Vazante (IMA);
Bahia: Valença (ADAB).
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