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Scot Consultoria

Radar Sanitário para setembro de 2024 - Parte 1


Segunda-feira, 2 de setembro de 2024 - 18h00

Médico-veterinário pela Universidade de São Paulo. É professor titular do departamento de clínica médica pela FMVZ-USP, especializado em Clínica de Ruminantes (ortolani@usp.br).


Foto por: Scot Consultoria


Dos preparativos para a estação de monta aos recentes surtos de doenças brasil afora: como o manejo adequado pode prevenir prejuízos na produção animal.

Essa coluna consta de duas partes: A) Manejo sanitário para o mês; B) Registro recente de doenças transmissíveis ou não, sugerindo medidas para suas prevenções. Tais registros são obtidos com o apoio das Agências Estaduais de Defesa Sanitária Animal, de Professores Universitários, do Mapa, da EMBRAPA e da rede de contato de veterinários de campo, assim como minhas observações.

Preparo para estação de monta

Vacinação contra doenças reprodutivas: Leptospirose, Diarreia viral bovina (DVB) e Herpesvírus 1 (IBR)

Para as fazendas que iniciam a estação de monta no mês de outubro (grande parte do Brasil-Central Pecuário: planícies de SC, PR, todos estados das regiões Sudeste e Centro-Oeste, RO, AC e sul do AM, PA, MA e PI, centro e sul da BA), recomenda-se vacinar duas vezes as reprodutoras contra leptospirose, diarreia viral bovina (DVB) e herpesvírus 1 (IBR): um mês antes da estação de monta e no dia anterior ao início desta, ou do protocolo de inseminação artificial em tempo fixo (IATF).

A leptospirose pode provocar mortalidade embrionária, o abortamento entre o 5º e 8º mês de gestação e o surgimento de bezerros fracos. Cerca de 90,0% dos casos são transmitidos pela própria urina da vaca infectada com a bactéria (Leptospira sp.) contaminando aguadas e pastagem, 5,0% por transmissão venérea pelo touro e 5,0% por ratos. A leptospirose ocorre em todo território nacional, mas ela é mais frequente nos rebanhos do Centro-Oeste, com destaque ao Pantanal, Norte e regiões baixas e úmidas dos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. De forma semelhante à DVB, o herpesvírus tipo 1 (vírus da rinotraqueíte) pode provocar mortalidade embrionária, abortamento e surgimento de bezerros defeituosos.  

Vermifugação estratégica no RS e no planalto catarinense

Diferente do Brasil-Central em que a vermifugação estratégica, em bovinos desmamados até dois anos de idade, é feita nos meses maio (5) / Agosto (8) / Novembro (11), no estado do Rio Grande do Sul e no planalto catarinense, em que as condições climáticas são diferentes, esta mesma vermifugação deve feita nos meses março (3) /Junho (6) / Setembro (9) / Novembro (11). Segundo recomendações de especialistas gaúchos, a vermifugação pode ser feita em setembro com anti-helmínticos a base de fenbendazole ou moxidectina. 

Focos e surtos de doenças Brasil afora

"Mal do anel" ataca no Acre

Manchas cinza-enegrecidas associadas a queda de pelos, a maioria em forma de círculos (figura 1), e em casos mais avançados presença de uma pequena escama escura recobrindo as lesões, espalhadas pela cabeça, pescoço, tronco, garupa e em menor grau na barbela (figura 2), foram descritas por veterinário de campo acreano, em duas propriedades no município de Rio Branco. A maioria dos animais afetados eram desmamados (85,0% do lote), mas em alguns casos atingia também bezerros em lactação e vacas em pior escore de condição corporal. O quadro iniciou em um ou outro animal e se espalhou para a maioria (figura 3). Pelo formato circular das lesões é denominado de “mal do anel”, mas quando muitas manchas se unem perdem esta forma arredondada (figura 4). 

A doença, cientificamente chamada de dermatofitose, é causada principalmente por fungos do gênero Trichophyton, com destaque à espécie verrucosum, mas recentemente, um estudo mineiro verificou que este agente pode estar associado a outros fungos, em especial os do gênero Candida. Embora alguns poucos digam ao contrário, os surtos ocorrem no Brasil principalmente nos meses mais secos do ano, em animais jovens, principalmente em bovinos até dois anos de idade, ou mais velhos e desnutridos. Acompanhei um caso, em que a introdução de um único desmamado no rebanho com a doença espalhou a enfermidade para a maioria dos animais da mesma categoria. Alguns estudos verificaram que os bovinos jovens são os mais atingidos, pois têm um pH da pele mais ácido que os mais velhos, favorecendo o desenvolvimento dos fungos, semelhante as espinhas (acnes) em adolescentes.  

Embora a literatura não descreva, bovinos com dermatofitose ganham menos peso que sadios. Comparei em um rebanho, garrotes com cerca de 20 lesões circulares, de cerca de 2 cm de diâmetro, e bovinos sadios mantidos no mesmo manejo. Os primeiros deixaram de ganhar, no período, 5,0 % a 10,0% de peso, em relação ao hígidos, o que é bastante. Geralmente, as lesões permanecem por dois a quatro meses, e desaparecem automaticamente, mas alguns desmamados as mantêm por mais tempo. O tratamento pode ser feito com uso de certos fungicidas injetáveis, mas é caro e nem sempre dá bons resultados, preferindo-se o uso de antissépticos tópicos, com propriedades antifúngicas, os quais devem ser passados por três a quatro vezes para surtirem resultados. 

Cuidado! A dermatofitose pode ser transmitida dos animais para o homem, em especial para crianças e adolescentes (figura 5), e sem querer o tratador ou manipulador dos animais pode transmitir para a garotada. Por isso, trate os animais com “mal do anel” com luvas e faça muito bem a higienização das mãos com esmero.

Figura 1.
A doença do “mal do anel” pode apresentar lesões circulares.


Fonte: Enrico L. Ortolani

Figura 2.
As lesões podem ocorrer em várias regiões do corpo. 


Fonte: Enrico L. Ortolani

Figura 3.
A doença é contagiosa e se transmite para outros bovinos do lote.


Fonte: Enrico L. Ortolani

Figura 4.
Quadro mais avançado da doença.


Fonte: Enrico L. Ortolani

Figura 5.
Adolescente com dermatofitose.  


Fonte: Wikimedia Commons

Surtos de meteorismo espumoso no RS

Colega de campo, ligado à empresa de nutrição, informou que ocorreram dois surtos de meteorismo espumoso em bovinos jovens desmamados, que estavam num sistema integração lavoura-pecuária (ILP). O primeiro aconteceu no município de Palmeira das Missões-RS, em um lote de cerca de 200 novilhas (terneiras) que estavam num piquete de azevém (Lolium multiflorum) (figura 6 e 7), que tinha sido plantada após cultura de soja, altamente adubada. Nesse caso quatro fêmeas morreram e outras quatro tiveram que ser tratadas de urgência, após o “estufamento” ruminal (figura 8). O segundo caso aconteceu no município de Jóia-RS, em um lote contendo 250 garrotes (terneiros), que foram colocados em piquetes de aveia muito jovem, que tinha sido recém-plantada (30 dias), cuja área também tinha sido plantada anteriormente com soja. No decorrer de quinze dias, tiveram que fazer o tratamento de três a quatro animais por dia, que apresentaram o mesmo quadro citado acima.  

Tanto as pastagens de azevém como a de aveia são plantios de inverno, que resistem bem à geada e que tem um ótimo crescimento nessa época do ano, sendo uma excelente alternativa para as regiões sul e sudeste. Embora os quadros de meteorismo espumoso sejam mais comuns em bovinos mantidos em pastagem ricas em certas leguminosas, como a alfafa jovem ou de trevo branco ou vermelho, também tem sido relatado a doença em rezes pastejando pastagens de azevém e aveia muito tenros e suculentos, com muita folha e pouco talo. Nessas condições, os volumosos são muito ricos em água, proteína solúvel e clorofila, porém pobres em fibra bruta e lignina, o que estimula a alta ingestão dos capins. Os quadros ocorrem em épocas de alta pluviosidade (em ambos os municípios choveu bastante no período), acompanhados de geadas leves ou presença de muito orvalho pela manhã. 

Nestas circunstâncias há crescimento de certas bactérias ruminais gram positivas (gêneros Butyrivibrio; Lachnospira e Streptococcus bovis) que produzem rapidamente um tipo de espuma viscosa, que se mistura ao conteúdo do rúmen (figura 9), aprisionando bolhas de gás, que seriam “arrotadas” pelo animal, fazendo com que haja um acúmulo deste conteúdo, como o fermento que faz crescer o bolo, podendo matar o animal por parada cardiorrespiratória. A falta de fibra nos capins não estimula a produção de saliva, que contêm naturalmente uma substância antiespumosa. Os bovinos mais glutões e os que salivam menos têm maior chance de ter o meteorismo espumoso.

Figura 6.
Pastagem de azevém, muito suculenta.


Fonte: EMBRAPA

Figura 7.
Pastagem suculenta de aveia. 


Fonte: Enrico L. Ortolani

Figura 8.
Bovino com meteorismo espumoso. 


Fonte: Enrico L. Ortolani

Figura 9.
Conteúdo ruminal viscoso e pastoso. 


Fonte: Enrico L. Ortolani

Para o controle do meteorismo espumoso, foi recomendada nas duas propriedades, o oferecimento, pela manhã, de pelo menos 50,0% da ingestão de alimento a ser ingerido num dia, de silagem, de capim picado ou de feno, como fonte de fibra, e só colocação dos animais, sem fome, para pastejar no período da tarde nos piquetes problemáticos. Também foi sugerido a adição de um ionóforo (monensina), na suplementação mineral, para diminuir o crescimento das bactérias produtoras da espuma.

Prezado Colega veterinário, caso tenha algum caso recente de surto, foco de doenças escreva para ortolani@usp.br para que possa ser divulgado para o Brasil!


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