EUA liberam importação de carne bovina in natura do Brasil. Essa foi a manchete que mais estampou as capas de sites e jornais no dia 29 de junho, após o fechamento de um acordo que permitiu a reabertura do mercado norte-americano para a carne bovina in natura brasileira depois de 15 anos de restrição motivada por problemas sanitários.
A liberação ocorreu durante a visita oficial da presidente Dilma Rousseff ao presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Aliás, "Yes, we can!". A frase célebre na campanha presidencial que tornou Obama o líder da maior nação do mundo, prova que "Sim, nós podemos"... agora o Brasil pode exportar um volume expressivo de carne bovina in natura para um importante mercado, que serve de modelo. Vários países usam o sistema norte-americano como referência para as negociações internacionais e podem mudar a opinião em relação ao produto brasileiro após a "bênção do tio Sam". Com isso, o Brasil tem precedentes para começar a negociar, por exemplo, com países membros do NAFTA (Canadá e México) e da América Central. Esse pode ser também um fator importante para as tratativas do governo brasileiro com o Japão, que ainda mantém embargo à carne bovina daqui desde 2012.
Além do Japão, o governo federal está concluindo negociações com a Arábia Saudita e também espera o retorno dos embarques de carne brasileira para a China, que suspendeu o embargo ao produto nacional no início deste ano.
Com o anúncio dos EUA, frigoríficos de 13 Estados (Bahia, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Rondônia, São Paulo, Sergipe e Tocantins) e do Distrito Federal estarão habilitados a exportar carne bovina in natura para aquele mercado.
Atualmente, o Brasil exporta carne industrializada para os Estados Unidos, que lidera o ranking de importadores dessa categoria de carne. Somente em 2014, foram enviadas mais de 22 mil toneladas de carne industrializada brasileira para os norte-americanos, resultando em uma receita anual de US$ 231 milhões.
Para a carne in natura, o Brasil entrará em uma cota inicial de 64 mil toneladas - que inclui também países da América Central. Os embarques devem ter início em setembro deste ano. A expectativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec) é ultrapassar essa cota e chegar a 100 mil toneladas nos próximos cinco anos. Os Estados Unidos são grandes importadores de carne bovina - em 2014, o país importou 957 mil toneladas, a maior parte da Austrália, do Canadá e da Nova Zelândia.
De acordo com o presidente da Abiec, Antonio Jorge Camardelli, o início das exportações para os Estados Unidos também vai ajudar a resolver a equação das vendas de cortes do dianteiro bovino. "O consumo interno prioriza cortes traseiros e agora teremos um ótimo mercado para explorar o corte dianteiro, muito utilizado para a produção de hambúrgueres", afirma Camardelli.
"Temos que persistir em praticar uma defesa agropecuária de forma permanente. Vamos trabalhar para que o Brasil se situe entre os cinco países do mundo como referência agropecuária", revelou a ministra Kátia Abreu, em nota divulgada pelo Mapa.
Para o diretor-fundador da Scot Consultoria, Alcides de Moura Torres Junior, a barreira dos EUA era econômica, travestida de sanitária.
Em entrevista exclusiva à revistanelore, Alcides Torres diz que o esforço para conquistar esses mercados que pagam mais - Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul e Taiwan, é contínuo e, vem de muitos anos. Segundo o analista e consultor de mercado, a liberação de um grande comprador de carnes pode auxiliar o Brasil a conquistar mercados ainda fechados ao produto nacional.
Alcides Torres, diretor-fundador da Scot Consultoria.
RN: O Brasil já é considerado o maior exportador de carne bovina do planeta, mas não tinha acesso a importantes mercados. Qual a importância dessa abertura? O que significa vender para os EUA?
Alcides Torres: A abertura do mercado norte-americano reconhece a carne bovina brasileira como saudável e produzida segundo boas práticas de produção. E, o mais importante, reconhece definitivamente o controle da febre aftosa por meio da vacinação. Cai o mito da necessidade de regiões pecuárias livres de aftosa sem vacinação. O que se espera é que essa conquista produza um efeito dominó e que através dela conquistemos os demais mercados ainda fechados ao produto brasileiro. Vender para os EUA significa ter acesso ao maior mercado consumidor do planeta, e isso é muito bom.
RN: É significativo o volume de carne a ser exportado nos próximos cinco anos, como afirma o Mapa? E o faturamento gerado pela venda pode ser positivo?
Alcides Torres: Os Estados Unidos e o Reino Unido já são os nossos principais compradores de carne processada, enlatada. A expectativa é de que os EUA sejam grandes parceiros comerciais do Brasil e que consumam um volume crescente de carne bovina. Se essa previsão acontecer o faturamento com a exportação que já é impressionante, será melhor.
RN: Hoje o Brasil vive um momento de mercado pecuário diferenciado e até complexo. Frigoríficos estão fechando e nossa economia também está em crise. Temos como atender a demanda por carne bovina dos norte-americanos?
Alcides Torres: O mercado pecuário de hoje não está diferente do passado, nem mais complexo. Estamos na fase de alta do ciclo de preços pecuários. A oferta diminuiu, não sumiu. Temos como atender o mundo.
Certa vez assisti a um filme, cujos protagonistas discutiam um com o outro. Um deles estava comprando uma caixa de charutos cubanos, caros, em tempos de crise. O argumento do comprador foi na mosca: "E quando não estivermos em crise?" Essa observação serve neste caso. Quando a economia brasileira não esteve em crise? Essa é a regra. A exceção é quando tudo está correndo bem. Vivemos em crise, a economia mundial vive em crise. Terrível seria esperar a crise passar.
Frigorífico fechando também faz parte da nossa vida, nada de novo. Neste ano especificamente o fechamento de plantas frigoríficas teve por fim diminuir a capacidade ociosa e fazer frente aos custos de produção, representados pela escalada dos impostos, energia elétrica, taxa de juros, desemprego e preço do boi. Não só por causa do preço do boi, mas por tudo.
RN: A entrada para o mercado americano vai facilitar o nosso acesso a países que ainda utilizam artifícios comerciais travestidos de barreiras técnicas, como você já falou. O Brasil tem chance de atender outros mercados consumidores após essa abertura?
Alcides Torres: Tem condições, para tanto precisamos vender bem, conquistar o cliente. Para os pecuaristas, no dia a dia, nada muda, mesmo por que embarques efetivos deverão demorar. Mas ter um novo canal de escoamento da produção sempre é bom.
RN: Uma associação de pecuaristas dos EUA afirmou que não concorda com a política de Obama, que abriu as portas para países com histórico de febre aftosa e não consultou o setor produtivo. Existe a possibilidade de haver pressão por parte dos produtores norte-americanos sobre a decisão do presidente?
Alcides Torres: Essa associação de pecuaristas está certa quando discorda do Obama. Ele deveria ter consultado o setor produtivo. Errou por não ter consultado, foi soberbo e autoritário. Mas, está errada quando usa como argumento a febre aftosa. O Brasil é exemplo global de combate a essa doença, com elevadíssimos índices de vacinação. O engajamento do pecuarista tem sido estupendo - somos referência. Pressão faz parte do jogo, os frigoríficos brasileiros terão que aprender como funciona o sistema norte-americano e ter lobistas de plantão para defender os seus interesses comerciais (vender carne e derivados) e por tabela os interesses nacionais.
RN: Pra finalizar, qual cenário seria ideal para os próximos meses: conquistar novos mercados ou conseguir resolver internamente os problemas que o setor está passando?
Alcides Torres: Esses anos têm sido muito bons para a pecuária de corte no Brasil. Isso é inegável. O mercado pecuário é dinâmico e em função dessa característica os ajustes são constantes. Não vejo problemas internos além da concentração, da polarização desmedida dos frigoríficos. Isso custará caro à produção nacional. Estamos num ciclo de alta de preços que fatalmente desembocará num ciclo de baixa de preços. Quando? Talvez em 2017? Não sei. Até lá deveremos conviver com inflação em alta, consumo patinando, desemprego, crise política, crise econômica e para atormentar a população, criminalidade impune, faixa de ciclistas, redução de velocidade nas vias expressas, radares em ação. Tudo para a alegria do brasileiro.
Fonte: Revista Nelore (edição no. 231). Texto de Elfrides Júnior - https://www.magtab.com/reader/revista-nelore/14186#page/20
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