Fernando Reinach*
Há 200 mil anos o homem deixou de se alimentar exclusivamente dos vegetais que encontrava na natureza e passou a plantá-los para consumir. Foi o início da agricultura.
Desde então, milhares de gerações de agricultores vêm selecionando e replantando as melhores sementes de cada safra, aos poucos modificando esses vegetais e melhorando sua produtividade.
O longo trabalho, que nos últimos cem anos foi ajudado pelo conhecimento da genética clássica e nos últimos 25 pela biotecnologia, resultou em variedades de vegetais dez vezes mais produtivas que as espécies originais.
Agora, utilizando técnicas de biologia molecular, os cientistas estão comparando os genes das variedades modernas de trigo e milho com os das variedades originais e aos poucos descobrindo os genes que foram selecionados por nossos antepassados e produziram esse incrível aumento de produtividade.
Um desses genes foi descoberto recentemente no trigo, o vegetal que sozinho supre 20% de todas as calorias consumidas pela humanidade.
Esse gene é capaz de aumentar em 30% a quantidade de proteína, zinco e ferro nos grãos. Para se ter uma idéia do impacto do gene, basta lembrar que hoje morrem 20 mil crianças por dia por falta de proteínas e que 160 milhões de crianças sofrem de deficiência de ferro e zinco.
Cientistas americanos e israelenses localizaram o gene em um dos cromossomos de espécies primitivas de trigo, e a partir de sua posição foram capazes de isolá-lo e estudar seu funcionamento. O gene codifica um fator de transcrição, uma proteína que funciona como um interruptor mestre, ligando e desligando diversos genes.
Para entender seu funcionamento, os cientistas construíram plantas transgênicas em que a atividade do gene foi reduzida e compararam as plantas com outras em que o gene estava ativo.
Quando o gene é desativado, a planta de trigo retarda seu envelhecimento, demorando três semanas a mais para maturar. O retardo causa uma diminuição em 30% no acúmulo de nutrientes nas sementes. Por outro lado, na presença do gene os nutrientes são transportados mais cedo das folhas para as sementes, o que provoca o aumento de sua quantidade na semente madura.
O que é inesperado é que algumas das variedades modernas de trigo, principalmente as utilizadas para fazer farinha de macarrão (
T. turgidium ssp. durum), têm uma versão inativa desse gene, o que abre a possibilidade de introduzir novamente o gene e talvez aumentar ainda mais sua produtividade.
A descoberta também pode ser utilizada para melhorar a produtividade de outras plantas. Um gene similar a esse já foi identificado em arroz e possivelmente exista em um grande número de vegetais. A descoberta de um dos mecanismos que controla o valor nutricional das sementes, combinado com nossa capacidade de alterar geneticamente os vegetais, pode levar à criação de grãos mais nutritivos.
Foram as modernas técnicas da biotecnologia que permitiram aos cientistas descobrir o mecanismo de funcionamento desse gene selecionado ao longo de milênios por nossos antepassados. É um caso de colaboração científica entre gerações separadas por milhares de anos de história.
Mais informações em “A NAC gene regulating senescence improves grain protein, zinc, and iron content in wheat”, na Science, volume 314, página 1.298, de 2006.
*Fernando Reinach é biólogo. E-mail: fernando@reinach.com
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