Na semana passada, foi revelado pelo Estado que uma comissão da Universidade de Brasília (UnB), tendo examinado fotos de dois gêmeos idênticos, decidiu que um deles era negro - e merecia uma vaga no programa de cotas - enquanto o segundo, por ser branco, não merecia. Indignação generalizada. Na mesma semana, foi divulgado estudo no qual um cientista examinou os genes de diversas personalidades “negras”. A pesquisa demonstrou que a maioria dessas pessoas possuía uma fração considerável de genes de “brancos”. Surpresa generalizada.
O que faltou foi explicar que esses resultados eram exatamente o que qualquer cientista esperaria.
A indignação e a surpresa vieram do fato de poucas pessoas compreenderem como os genes interagem com o meio ambiente para determinar as características dos seres humanos. Gêmeos idênticos surgem quando um embrião se divide no inicio da gestação, gerando duas pessoas com os mesmos genes. São idênticas pois foram geradas a partir de um único espermatozóide e um único óvulo. Apesar de compartilharem os mesmos genes (o mesmo genótipo), sua aparência é diferente. Se, por exemplo, um tomar muito sol e outro viver na sombra, um será moreno e outro terá a pele mais clara. O mesmo ocorre com o peso e muitas outras características influenciadas pelo meio ambiente. O que observamos com nossos sentidos é o que se denomina fenótipo, que depende da interação dos genes com o meio ambiente. Biólogos costumam dizer: fenótipo=genótipo+meio ambiente.
Vexame certo
Quando a UnB decidiu que uma comissão deveria avaliar a raça dos vestibulandos examinando uma foto, qualquer geneticista poderia prever o vexame que estava por acontecer. Do ponto de vista científico, o método é ridículo - para dizer o mínimo.
Utiliza a opinião subjetiva de um grupo de pessoas (a comissão) para, por meio de um método indireto (olhar a foto), avaliar um indicador indireto (o fenótipo) de características hereditárias (o genótipo). Tudo isso para classificar pessoas de acordo com um conceito de valor científico questionável (raça).
Dadas essas condições, era mais que previsível que a comissão, mais cedo ou mais tarde, “errasse”. O que causa estranheza é que o departamento de genética da UnB não tenha pedido demissão em massa.
Também é fácil entender por que as “personalidades negras” se surpreenderam com a análise de seu genótipo. A maioria das pessoas decide a que “raça” pertence ao se olhar no espelho e observar seu próprio fenótipo. Essa imagem mental é comparada com os dados culturais que a pessoa recebeu durante a vida (por exemplo, a crença em que Ronaldinho é branco e Pelé é negro), e resulta na associação da auto-imagem a uma dita raça. A pessoa então informa sua “raça” ao IBGE, que compila os dados e determina sua distribuição no Brasil.
Dada a natureza completamente subjetiva dessa metodologia, que passa longe do genótipo, não é de se estranhar que a auto-imagem de nossas celebridades não coincida com os dados obtidos diretamente de seus genes.
A realidade é que pessoas de diversas partes do mundo migraram para o Brasil nos últimos 500 anos e a maioria, acreditando que não existe pecado no sul do equador, misturou seus genes com as populações que estavam no País. O resultado é a diversidade que podemos observar nas ruas.
Tentar distinguir e segregar em grupos o que hoje é um contínuo só estimula o racismo e a discriminação. Qualquer sistema de cotas nas universidades públicas deveria ser baseado na condição socioeconômica dos candidatos, jamais em seu genótipo ou fenótipo.
Fonte:
O Estado de São Paulo. Vida&. Por Fernando Reinach.
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