Na vida não é proibido errar. O que deveria, sim, ser proibido é mentir. Basta da hipocrisia dessas ONGs estrangeiras que por aí circulam impunemente no nosso país e vamos direto aos fatos e dados que interessam à população brasileira em geral.
Creio que a maioria das pessoas não tem uma noção exata da dimensão da cadeia produtiva da pecuária bovina no Brasil: com um rebanho de aproximadamente 198 milhões de cabeças - dito o maior rebanho comercial do mundo, responsável pela geração de milhões de empregos em todas as fases da produção, do pasto à indústria, e de cerca de 8% do PIB, além de exportações de carne e couro que conjuntamente em 2008 superaram a cifra de US$8,5 bilhões -, ela é de importância capital para a economia nacional.
Talvez por conta desse inequívoco sucesso do setor, hoje em dia são a pecuária bovina e a indústria de abate e processamento da carne que sofrem as maiores pressões por conta da sustentabilidade socioambiental. De fato, o vertiginoso crescimento desse setor nos últimos anos se deu de forma desorganizada, prevalecendo em larga escala a produção informal, seja na pecuária, seja na indústria de abate; e também em passado não muito distante não havia no País a menor preocupação ambiental, haja vista que até os anos 1980 ainda se ofereciam benefícios fiscais e financeiros para a expansão da pecuária bovina em Estados das Regiões Centro-Oeste e Amazônica. O eventual mal feito no passado não pode comprometer a busca de aprimoramento para o futuro, mas negar a realidade atual ou mesmo querer eliminá-la do dia para a noite, isso, sim, é uma total utopia. Portanto, é mais do que hora de promover a sua estruturação em bases sustentáveis, de acordo com a legislação socioambiental em vigor. Isso pelo menos é o que deseja a indústria organizada e moderna da carne bovina, pela ação estratégica da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec).
A recente campanha de demonização do setor que vem sendo irresponsavelmente promovida por ONGs sensacionalistas e por alguns jornalistas com viés ideológico não apresenta nenhuma solução inteligente para o futuro, que combine o necessário aumento da produção de alimentos e o objetivo comum a todos brasileiros de preservação do meio ambiente, especialmente referindo-se à floresta amazônica. Não reconheço nessas ONGs nenhuma autoridade moral para tratar o assunto ambiental dessa forma que vem ocorrendo, pois a preocupação sobre este tema não é sua exclusividade. Passar fome no meio de um jardim botânico não me parece que seja um cenário desejável para cerca de 30 milhões brasileiros que hoje habitam aquela extensa e pobre região do País.
Na vida não é proibido errar. O que deveria, sim, ser proibido é mentir. Basta da hipocrisia dessas ONGs estrangeiras que por aí circulam impunemente no nosso país e vamos direto aos fatos e dados que interessam à população brasileira em geral.
As atividades de cria, recria e engorda de gado de corte ocupam cerca de 172 milhões de hectares do território brasileiro, principalmente nas Regiões Sudeste e Centro-Oeste, onde se concentram ao redor de 106,7 milhões de cabeças, ou seja, cerca de 53,9% do rebanho total. Na Região Norte/Amazônica encontram-se cerca de 38,5 milhões de cabeças (19,4% do total), distribuídas por mais de 500 mil propriedades de grande, médio e pequeno porte, com forte concentração no sul do Pará e em Rondônia. Portanto, para implantar um confiável sistema de rastreamento ambiental nessa região, primeiramente, deve-se regularizar a estrutura fundiária, ainda caótica.
Há dois índices de produtividade setorial no Brasil que ainda são muito ruins: a taxa de suporte de cabeças por hectare, cuja média nacional é de apenas 1,15 cabeça por hectare, por causa da predominância da criação extensiva em pastagens naturais de baixa qualidade; e a taxa de desfrute, que se refere ao número de abates sobre o rebanho total, que no caso do Brasil é de pouco mais de 22%, ou seja, cerca de 44 milhões de cabeças abatidas por ano, diante de um rebanho de 198 milhões. Em ambos os casos trata-se de índices medíocres de desempenho setorial, se comparados a outros países do mundo, e que se não melhorados poderão vir a comprometer no futuro a capacidade de crescimento sustentável desse setor em nosso país.
Especialistas no tema indicam que se houvesse no futuro próximo um adequado investimento público e privado que resultasse na melhoria genética do rebanho, na melhoria das pastagens, inclusive associando-se com sistemas intensivos ou semi-intensivos de engorda, na intensificação da defesa sanitária e do sistema de rastreabilidade da criação bovina, poderíamos no período de uma década aumentar a taxa de suporte para até 1,5 cabeça por hectare e a taxa de desfrute, para algo ao redor de 30%. Isso significa que o Brasil poderia vir a abater em 2020 cerca de 75 milhões de cabeças por ano, com um rebanho de 250 milhões, sem que fosse necessária a expansão adicional de sequer um hectare de terra, ou até ao contrário, poder-se-iam disponibilizar áreas de pastagens degradadas na própria Região Amazônica, até mesmo para a recuperação ambiental.
Para enfrentar esses enormes desafios é preciso que haja uma ação articulada em todos os elos da cadeia produtiva, do pecuarista ao varejo, passando pelo melhoramento genético e pela defesa sanitária do rebanho, com a efetiva participação da sociedade civil por meio de associações de classe como a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), o Conselho Nacional da Pecuária de Corte (CNPC), a própria Abiec e tantas outras. Somente pelo diálogo racional será possível a construção de soluções efetivas e duradouras, que venham no futuro confirmar a posição brasileira de potência ambiental e de maior produtora e exportadora de alimentos no mundo. Que venha logo a boa crítica, para nos ajudar a cumprir essa difícil missão.
Roberto Giannetti da Fonseca, economista e empresário, é presidente da Abiec.
Fonte: O Estado de São Paulo, 22 de junho de 2009
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