Peter Brabeck-Letmathe est contando calorias. Mas no de uma dieta que o ex-presidente da uma grande companhia alimentcia est se referindo. sobre a quantidade de alimentos que Estados Unidos e Europa esto convertendo em energia enquanto a populao mundial mais pobre fica mais faminta. Brabeck-Letmathe possui extensa experiencia na interseco alimentao-poltica-desenvolvimento. Passou quase 20 anos gerenciando unidades alimentcias na America Latina.
Polticos no entendem que entre, o mercado alimentcio e o energtico, existe uma ligao muito prxima. A energia contida numa tonelada de milho pode ser usada para abastecer carros ou alimentar pessoas. E, graas aos subsdios americanos ao etanol e incetivos europeus aos biocombustveis, culturas que antes se destinavam a alimentao animal e humana agora se destinam produo de combustveis.
Estimativas recentes do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos mostram que, em 2011, pela primeira vez, a produo de milho ser maior para o etanol do que para a alimentao. Ao redor do mundo, cerca de 18% do acar vai para a produo de biocombustveis.
Cinco dcadas atrs, quando a populao mundial era metade do nmero atual, j haviam avisos sobre grandes ondas de fome e falta de comida no futuro. Hoje, com quase sete bilhes de pessoas, produz-se tanta comida que uma quantidade crescente tem sido convertida em biocombustveis.
A vantagem de se produzir algo vender pelo melhor preo. Quando h aumento de demanda consequentemente h aumento nos preos pagos ao produtor. E neste caso, os preos pagos ao produtor pela indstria do biodiesel se mostram mais competitivos.
Este cenrio mais expressivo no Ocidente. Se o preo do cereal para o caf da manh aumenta num pas desenvolvido porque mais milho tem sido utilizado para a produo de biocombustveis, momentaneamente revoltante, mas logo as pessoas se adaptam. Mas se o preo do milho dobrar num pas em desenvolvimento, onde as pessoas gastam quase 80% da renda com alimentao, milhes de pessoas iro morrer de fome. O aumento exorbitante do preo dos alimentos, por exemplo, foi um dos fatores que desencadeou a Primavera rabe.
Existe uma grande diferena sobre como os pases desenvolvidos lidam com esta crise iminete e a realidade para milhes de pessoas, que ainda esto em pobreza extrema devido a aplicao de polticas equivocadas. Observa-se a loucura por biocombustveis, que se iniciou por causa dos suprimentos de petrleo, necessidade de independncia energtica, aquecimento global e, ironicamente, a estabilidade poltica no Oriente Mdio. Especialmente na Europa, aliado a tudo isso, ainda h o medo das lavouras geneticamente modificadas. Esta recusa em se aplicar tecnologia disponvel na agricultura tem freado o aumento potencial de produtividade.
Ainda h o fator demogrfico. Em dcadas recentes, houve a criao de mais de um bilho de novos consumidores com poder de aquisio, que saram da pobreza extrema para o que se chama de classe mdia moderada. Isso devido ao crescimento econmico em pases como China e ndia.
Dados da Organizao das Naes Unidas Para Agricultura e Alimentao (FAO, sigla em ingls) em cooperao com a Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OECD, sigla em ingls) estimam um crescimento de 1,5% ao ano no consumo global de carne bovina at 2020. Para os pases em desenvolvimento, o crescimento estimado de 2,0% ao ano. Nos prximos anos, o mundo demandar mais alimentos, principalmente carne.
E a demanda por carne multiplica o efeito por dez. Necessita-se dez vezes mais terras, gua e energia para produzir um quilo de carne do que seria necessrio para produzir um quilo de vegetais. Ainda assim, pode-se atender esta demanda crescente, se a escolha for essa. Se os polticos quisessem determinar uma poltica alimentar eficiente, haveria apenas uma deciso a se tomar: no empregar alimentos para produzir biocombustveis. A oferta e a demanda entrariam assim em equilibrio.
Quando polticos dizem querer abastecer 20% da produo de biocombustveis com alimentos, isso significa triplicar a produo dos mesmos para que se possa atender esse objetivo. Ainda que fosse possvel triplicar a produo de alimentos, no seria possvel sem a utilizao de lavouras transgnicas e a diminuio da produo orgnica, novo padro de pureza e segurana alimentar. No possvel alimentar a populao mundial com produo orgnica, a produtividade visivelmente mais baixa.
Observando os pases que utilizam organismos geneticamente modificados, verifica-se que a produo por hectare destas lavouras aumentou em 30% nos ltimos anos enquanto que a produtividade das lavouras comuns permaneceu no mesmo patamar ou est ligeiramente em queda. uma deciso poltica.
Uma coisa a bem alimentada Europa optar por no utilizar lavouras transgnicas em seu territrio. Outra coisa que no condiz so as polticas europias proibirem pases pobres, como os do continente africano, de utilizar sementes modificadas. Estes pases precisam urgentemente da tecnologia para aumentar a produtividade e rendimento em sua agricultura j atrasada. Mas se eles uitilizarem sementes transgnicas, a Europa no permitir a exportao. No apenas o produto mofificado, mas absolutamente nenhum produto agrcola ser exportado por causa do medo europeu da contaminao cruzada e seus padres de pureza quase impossveis de se atingir.
O medo europeu dos organismos transgnicos puramente emocional. A questo de ordem prtica que deve se fazer quantas pessoas morreram de contaminao alimentar por produtos convencionais ou orgnicos e quantas morreram por produtos transgnicos. Recentemente, a mdia no noticiou nenhuma morte por consumo de transgnicos. Ao contrrio, no comeo do ano se observou um surto de E. Coli na Europa, causado por vegetais de produo convencional, no-transgnica.
A questo da utilizao de organismos geneticamente modificados para a alimentao humana no de hoje. Ainda no foram registrados casos de dano sade oriundos do consumo direto de transgnicos. Alguns pesquisadores pontuam a possibilidade de danos posteriores, devido ao consumo regular. Essa possibilidade ainda desconhecida. No Brasil, o uso de alimentos transgnicos foi regulamentado pela Lei de Biossegurana em 2005. Em 2010, o Brasil foi o segundo maior produtor de lavouras transgnicas do mundo.
A uso da gua outro ponto de preocupao. 98% da gua fresca utilizada anualmente para agricultura e indstria. O uso agroindustrial soma-se ao desperdcio. Se nada for feito tambm neste sentido, em breve existiro problemas de vrias ordens por causa de gua.
A resposta para a diminuio da gua disponvel est focada no suprimento. Constri-se um canal que desloca a gua de um lugar a outro e resolve-se o problema momentaneamente. Mas o problema central est na demanda e o melhor regulador da demanda so os preos. Comparativamente, se a extrao de leo se tornar escassa, os preos sobem. Mas para a gua, no h custo porque a mesma no possui valor. No haveria uma poltica de biocombustveis se fosse dado valor para a gua. So necessrios por volta de nove litros de gua pra se produzir um litro de biodiesel. Isso s possvel porque a gua no tem valor algum. As foras de mercado deveriam ser capazes de atuar sobre os 98% da gua fresca disponvel consumidos pela agroindstria. Onde existem foras de mercado, existem investimentos.
Projeta-se que a populao mundial ser de nove bilhes em 2050. Poderemos alimentar todas estas pessoas? De acordo com Brabeck-Letmathe, isto possvel, assim como fornecer gua e combustveis a todos. Mas apenas se deixarmos o mercado fazer seu papel.
O papel do mercado, nesta discusso, virtualmente seria o atendimento da demanda pela oferta de forma igualitria, priorizando-se a alimentao humana ante a produo de biocombustveis.
Fonte: Jornal
The Wall Street. Por Brian Carney. 3 de setembro de 2011.
<< Notícia Anterior
Próxima Notícia >>