O uso de produtos agrcolas, como cana-de-acar, milho e soja, para produzir substitutos de derivados de petrleo foi saudado inicialmente como uma soluo brilhante para os problemas criados pelo uso desse leo de origem fssil. O etanol produzido da cana-de-acar o combustvel utilizado no Brasil para substituir cerca de 50% da gasolina - que seria consumida se esse lcool no existisse. A partir de 2003, o custo da produo de etanol no nosso pas era menor do que o preo da gasolina no mercado internacional, sem nenhum subsdio. Nos Estados Unidos, o etanol produzido do milho substitui menos de 10% da gasolina, mas recebe subsdios.
Globalmente, o etanol substitui cerca de 5% da gasolina, mas dever substituir 20% at o ano de 2020 se forem cumpridas as metas adotadas pela Unio Europeia, pelos Estados Unidos e por vrios outros pases. A produo brasileira atual, de quase 30 bilhes de litros por ano, poderia aumentar substancialmente para atender a essa demanda.
At recentemente, o futuro dos biocombustveis parecia brilhante: eles so renovveis, como todos os produtos agrcolas, e, no fundo, podem ser considerados como energia solar - que faz as plantas crescerem - transformada num lquido por meio da fotossntese.
Hoje, contudo, o etanol enfrenta no Pas srias dificuldades para competir com a gasolina a preos administrados pelo governo federal, por causa do aumento do preo da terra e dos custos de insumos usados nos canaviais, assim como da mecanizao da colheita da cana, que vem eliminando a colheita manual. O resultado foi desencorajar os produtores: a expanso da rea plantada com cana-de-acar diminuiu, os canaviais no foram renovados a tempo e a produo de etanol foi reduzida, correndo o risco de ser ele gradativamente abandonado pelos usurios.
O motivo que a Petrobrs mantm, artificialmente, o preo da gasolina constante desde 2007, apesar de ele ter subido no mundo todo. Uma das solues para esse problema seria estimular as exportaes de etanol, uma vez que o seu custo de produo no Brasil inferior ao dos demais pases.
Obstculos foram levantados contra esta opo.
O primeiro deles o de que a produo de lcool teria sido a responsvel pelo aumento do custo dos alimentos em 2008. De fato, nesse ano o preo dos alimentos subiu extraordinariamente, provocando as mais variadas reaes. No entretanto, o aumento no preo internacional dos alimentos foi parte de um pico que atingiu todas as commodities, incluindo as minerais, o qual foi causado pelo aumento dos custos do petrleo e pela especulao. Tambm o pnico estimulado pela percepo de que a crise era sria contribuiu para o agravamento desse problema.
Para manter as coisas em perspectiva preciso lembrar que o mercado internacional de alimentos pequeno comparado com o consumo total desses produtos. Por exemplo, somente 5% do arroz consumido no mundo objeto de exportaes e importaes. Mas o preo do arroz - que no usado para produzir biocombustveis - em 2008 subiu mais que o do acar, do milho ou da soja - que so usados para produzi-los.
Alm disso, a rea usada para produzir biocombustveis no mundo pequena. J a rea utilizada para a agricultura em geral, no mundo todo, de 1,5 bilho de hectares - e menos de 1% dela destinada aos biocombustveis. Ao contrrio do petrleo, o etanol pode ser produzido em quase todo o planeta, mas principalmente na faixa tropical.
O segundo problema foi a adoo pela Unio Europeia de exigncias de "certificao" dos biocombustveis, para que seja autorizada a dificultar a sua entrada nos mercados europeus. Existe uma verdadeira indstria de mecanismos de certificao para biocombustveis, com mais de cem propostas diferentes. As exigncias que essas certificaes fazem vo desde a necessidade de demonstrar que os biocombustveis realmente emitem menos poluentes e gases responsveis pelo aquecimento global, resultantes do uso de combustveis fsseis - o que razovel -, at as de carter social e ambiental, que no so feitas para a importao de outros produtos agrcolas.
de observar, tambm, que as trocas internacionais de petrleo e derivados - os quais so a principal fonte de poluio, desde a local at as emisses globais de gases responsveis pelo chamado efeito estufa - no so objeto de nenhuma espcie de certificao que diga respeito s condies ambientais e sociais em que so produzidos.
Decorre da a interpretao de que o que tem alimentado as crticas ao uso de biocombustveis, tanto na Europa como nos Estados Unidos, so, na verdade, medidas protecionistas com a finalidade de impedir que os biocombustveis produzidos em pases tropicais penetrem nesses mercados.
A produo de etanol em grande escala no Brasil - e em outros pases tropicais no Caribe e na frica - enfrenta, portanto, no momento dois desafios:
Os externos, que so as medidas protecionistas dos Estados Unidos e dos pases da Europa. Essas medidas vo acabar caindo, como j caram nos Estados Unidos. Isso porque a presso para reduzir as emisses de carbono vai levar os pases europeus e os Estados Unidos a adotarem o etanol como substituto natural do petrleo (gasolina)- e ter de ser importado dos pases tropicais.
E os internos, que decorrem da poltica do governo brasileiro de manter o preo da gasolina constante desde 2007, ignorando os benefcios que o etanol trouxe para nossa matriz energtica, uma das mais limpas e renovveis do mundo.
preciso, portanto, adotar medidas urgentes que abram caminho para novos investimentos em produo de cana-de-acar e etanol. Se o Brasil no o fizer, outros pases o faro.
Fonte:
O Estado de So Paulo. Opinio. Por Jos Goldemberg, professor emrito da Universidade de So Paulo. 16 de janeiro de 2012.
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